Terça feira da Décima Quarta Semana do Tempo Comum. Nossos passos estão sendo dados dentro do 191º dia do ano, sendo que um terço do mês de julho vai se completando. Viver é a arte de ser feliz nas adversidades que a vida nos proporciona. Um passo dado, vivendo um dia de cada vez. O ontem já se foi e o amanhã está por vir. O desafio é Viver intensamente cada dia, mantendo a lógica construtiva de que hoje será um dia melhor que o de ontem e pior que amanhã. Como dizia a escritora que fez a minha cabeça na adolescência, Clarice Lispector (1920-1977): “Um dia de cada vez, que é pra não perder as boas surpresas da vida”.

Vivendo um dia de cada vez aqui pelas bandas do Araguaia. Convivendo e mais aprendendo que ensinando com os povos indígenas. Eles são a razão de minhas causas da vida. Lá se vão mais de três décadas de convivência. Sinto-me o mineiro mais privilegiado do mundo, por ter feito esta escolha de “ser um com eles, nas causas deles”, como Pedro me fez comprometer e fazer cumprir, ao longo de todo tempo que eu estivesse com eles. Esta foi a minha “Kénosis”, de um esvaziar de mim mesmo e das minhas vaidades, prepotências e orgulho fantasioso, para assumir em mim a realidade dos saberes tradicionais ancestrais indígenas. Estou cada vez mais convicto, que a sabedoria ancestral, é uma das mais preciosas dádivas que podemos receber.

Não era dia, mas não consegui segurar o meu desejo de rezar no túmulo do “guardião das causas indígenas”, como os Xavante se referem ao nosso bispo Pedro. A nostalgia tomou conta de mim, e não foi possível controlar a lágrima atrevida que ganhou o meu rosto. A cada dia, que ali eu rezo, na companhia dele, sinto que eu não poderia estar em outro lugar, que não aqui pelas bandas do Araguaia, e fazer parte desta Igreja que já ensaiava os seus passos de uma “Igreja em Saída”, bem antes de assim o querer o nosso Papa Francisco. Os bons tempos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) sempre foram aqui alimentadas pelo sonho de Pedro, de “Viver e anunciar a Boa Nova do Evangelho com alegria, jeito humilde e paixão, para acolher o Reino de Deus e contribuir em sua construção já aqui na Terra, na esperança do reino Definitivo”, como está assim descrito em sua primeira Carta Pastoral.

Rezei também na companhia do evangelista Mateus, anunciando um Jesus Messias, que realiza todas as promessas feitas no Antigo Testamento. Uma anunciação que ultrapassa todas as nossas expectativas puramente terrenas e materiais, uma vez que, para ele, Jesus é o Mestre que veio realizar a justiça: “devemos cumprir toda a justiça” (Mt 3,15). Todavia, Mateus não apresenta Jesus de forma teórica, mas nos mostra um Messias encarnado que, através da palavra e ação, vai educando a comunidade cristã para a prática dessa justiça, isto é, vai ensinando como se deve realizar concretamente a vontade de Deus. Um convite a fazermos o mesmo, ao nos reunirmos em torno de Jesus, tornando-nos, portadores da Boa Notícia, a fim de que possamos pertencer ao “Reino do Céu”.

Mateus, nesta terça feira, se ocupa em narrar para nós, a cura de homem mudo. Juntamente desta, ele também se refere à reação dos adversários de Jesus, mediante esta cura, antecipando assim o enfrentamento que Jesus terá dali por diante, com os seus inimigos. Mais do que uma ação pedagógica de Jesus, trata-se de uma ação teológica, uma vez que o Messias fora anunciado para fazer os surdos ouvirem, os mudos falarem e que os pobres tenham voz e vez. Lembrando que estas situações adversas, vividas pelos pobres, eram atribuídas ao demónio, inimigo do homem. Consequentemente, se Jesus realiza tais maravilhas, libertadoras da escravidão e limitações humanas, Ele quebra o poder de Satanás, e só pode ser mesmo o Messias. Tudo isso, gerando a admiração do povo por Jesus, enquanto os fariseus o viam como a personificação do demônio em si.

“Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças”. (Is 53,4) Foi assim que o profeta Isaías se referiu a Jesus. Em Jesus, Deus se compadece dos pequenos e vem até eles libertá-los de todas as formas de escravidão. O Deus da amorosidade se faz amor pleno na pessoa do Filho, assumindo as dores dos pequenos. Mateus apresenta-nos um pequeno resumo da atividade de Jesus, mostrando-nos a raiz da ação dele: nasce da visão da realidade, que o leva a compadecer-se, isto é, a sentir junto com o povo cansado e abatido. Uma missão muito difícil de ser realizada, numa realidade marcada pela indiferença dos religiosos. O trabalho é grande, e necessita de pessoas dispostas a continuar a obra de Jesus. “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”. (Mt 9,37) Devemos assumir a preocupação de levar a Boa Nova do Reino ao mundo inteiro, conscientes da necessidade de trabalhadores/as disponíveis para essa missão divina com Jesus.