Era um grupo de mineiros que acolhia gente que nunca vira uma biqueira de água cristalina, ao norte de Minas, pertinho da Bahia. Escorria sem parar, às vezes, mais forte, outras vezes, apenas um fio de água, que servia, ao cair da noite, de refrigério para o cansaço do dia.
Era água limpa que minava do coração das pedras profundas, contornando lugares distantes e chegando à flor do chão
Como era tempo de festa, naquele sertão do nordeste de Minas, amigos da cidade próxima vinham rezar e dançar, depois de léguas de caminhada, na poeira e no sol escaldante. A maravilha da fonte era seu brotar entre buritis secos e canalizada com bambus em cima de um monte de pedras, com técnica centenária. Tinha uma vereda arrumada para a lavagem de roupa, para o banho dos moradores, dos peregrinos, animais, como para os pássaros sedentos e cachorros selvagens.
O lugarejo recebia o missionário, que chegava para a festa de Nossa Senhora de Lourdes, cuja devoção nascera na França, ao redor de uma lapa e de uma fonte de bênçãos perenes e de curas diárias. À semelhança da fonte de Santa Bernadete, o missionário foi conhecer a bica do Chico Baianeiro para preparar o sermão da festa, lendo uma poesia de alguém, ao lado do barulho da queda d’agua. Rabiscada de saudade do velho tempo de um peão, de quando perdeu seu amigo, apelidado de Chico Mineiro, em Goiás, tal como nas letras da canção “Chico Mineiro”, do compositor Tonico, com o triste e o último verso, a seguir:
“Quando vi seu documento
Me cortou meu coração
Vim saber que o Chico Mineiro
Era meu legítimo irmão”.
Corria o testemunho que, a partir desse dia, aprendeu a ser irmão de todos que encontrava. Apresentava-se como Chico Mineiro para viver na harmonia e no desfrute da natureza e da fé, reciclando a vida louca do passado com seus amigos de trabalho, de sol a sol, tempo de compra e venda de gado, sem pena de ninguém.
O Chico Mineiro vivo dessa história era o Chico Baianeiro, que escolheu viver na divisa entre Minas e Bahia. Chegou ao norte de Minas para vingar o velho amigo, para viver, aprender da água e abastecer a fraternidade dos passantes e vizinhos naquele semi-árido.
Vou contar um pedacinho do sermão da missa na praça que comoveu os presentes no dia da festa. Pois, nesse dia, veio a chuva em gotas grandes que doíam no rosto de quem não saiu correndo. Pois, de repente, aparecera nuvens escuras, entristecendo a expectativa da dança, depois da Missa. O céu se abriu, choveu e molhou a terra naquele semi-árido de poucas chuvas.
O missionário falou da chuva forte que caía e da admiração da bica que o nosso Baianeiro/mineiro deixava para todos beber e se banhar.. “Vejam, essa água escorre do coração da terra, vem copiosamente molhar o rosto e nos lembrar das bênçãos que Deus Pai não deixa faltar para ninguém. Olhem a chuva e não esquecam de agradecer. O melhor da semeadura das roças, ainda estar por vir”.
Aconteceu que dias depois, o campo floresceu, a bica ficou mais abundante de agua fresca. Fizeram uma festa com muita comida, com milho verde e amendoim. Desde aquele dia, o local de chamou Lourbami, em homenagem a Nossa Senhora de Lurdes, do Baianeiro e do Mineiro.