Sexta feira da Décima Quinta Semana do Tempo Comum. O final de semana chegando, nos entregando à última semana do mês da calmaria escolar. Entretanto, a vida segue com os seus desafios de sempre. Engana-se quem pensa que a vida daqueles e daquelas que querem ser e estar com Jesus, será de tempestade acalmada. Fazer parte do discipulado de d’Ele é saber enfrentar os obstáculos e desafios da vida de cabeça erguida, sabendo que Ele vai estar ali. Enfrentar os mares revoltos da vida, com o olhar direcionado ao horizonte. Como nos ensina a sabedoria oriental: “mar calmo nunca fez bom marinheiro”.
Amanheci respirando os ares mais aquecidos de Mato Grosso. O frio gélido de São Paulo já ficou para trás. O Araguaia deu-me as boas vindas na entrada do Estado, mesmo não sendo ele a beleza natural que temos em São Félix. Olhamos-nos como velhos conhecidos de longa data. Cumplicidade à toda prova. Em meu coração sinto o desejo de estar novamente no meu cantinho, onde sei ser feliz com o pouco que tenho. Em situações como estas, me vem à mente um dos versos da canção mineira: “Não precisa ter, um pontinho preto no mapa, mas quando a gente se afasta, coração pede pra voltar”.
Mesmo estando em São Paulo nestes dias passados, convivendo com os amigos dos bons tempos de seminário nas décadas de 70, 80 e 90, queria também ter estado no Encontro do 15º Intereclesial das CEBS, que está sendo realizado (18-22) na diocese de Rondonópolis–Guiratinga, circunscrição eclesiástica da Igreja Católica no Brasil, pertencente à Província Eclesiástica de Cuiabá e ao Conselho Episcopal Regional Oeste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Hoje está sendo o penúltimo dia deste encontro, onde o Espírito Santo, está se fazendo presença de Deus no calor humano, fraterno e eclesial daqueles e daquelas pessoas que ali estão.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) são a presença viva do Deus da Vida na comunidade eclesial. Igreja Sinodal (Caminhando juntos), em saída, trilhando nas mesmas pegadas de Jesus, pelas periferias das “Galileias” de hoje. Pena que, boa parte da nossa Igreja hoje, se perdeu em meio a uma burocracia institucional, sufocando o carisma da “Igreja Povo de Deus”, com uma prática mais voltada para dentro de si mesma; onde o clericalismo doentio, o sacramentalismo egoísta de uma fé intimista e infantilizada, suplantou o jeito de ser Igreja, trazido pelo Concílio Vaticano Segundo (1962-1965): “Igreja Povo de Deus, Corpo místico de Cristo”.
Jesus é o “cara” que quebra todos os paradigmas de uma instituição que sobreviveu ao tempo, desde os primórdios do judaísmo, focado na prática rigorosa da Lei. Jesus quebra esta lógica, ao propor que a Lei não tem que ser cumprida pelo fato de ser Lei, mas por aquilo que ela traz de justiça, de igualdade, de fraternidade, sobretudo, quando está envolvida a vida humana. A temática da liturgia de hoje é um exemplo clássico disto, quando os fariseus questionam Jesus pelo fato dos seus discípulos estarem infringido a lei do sábado: “Olha, os teus discípulos estão fazendo, o que não é permitido fazer em dia de sábado!” (Mt 12, 2)
O centro da obra de Deus é a pessoa humana, e cultuar a Deus é fazer o bem à pessoa. Como está descrito pelo evangelista Mateus numa das falas de Jesus, diante da fome alheia: “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16), que a Campanha da Fraternidade deste ano de 2023 usou como lema. No contexto da “Lei do Sábado”, não se trata de estreitar ou alargar tal lei, mas de dar sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas. Maior que a Lei em si é a necessidade saciar a fome de quem está com fome e tem pressa de comer. A vida humana está acima de qualquer lei. Toda lei que oprime a pessoa é uma lei que vai na contramão da própria vontade de Deus, e deve ser abolida.
Na compreensão de Jesus, o “Cara” de uma mística libertadora da Lei, a lei do sábado não é absoluta. Absoluto é Deus e sua criatura, feita (criada) para ser feliz e viver na plenitude máxima do existir. A presença viva d’Ele entre as pessoas é maior do que o Templo, e é Senhor do sábado. Por isso, Ele tem o poder de relativizar a toda a lei, propondo no lugar dela a misericórdia, a amorosidade, a ternura fraterna e a compaixão, como atitudes fundamentais para uma prática de fé em favor da vida e não da instituição, qualquer que seja ela. A lei do amor é a maior de todas elas. Como nos dizia o dramaturgo grego Sófocles: “Só uma palavra nos liberta de todo o peso e da dor da vida: essa palavra é o Amor”.
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