Terça feira da Décima Sexta Semana do Tempo Comum. O mês de julho já caminhando para o seu ocaso. “Passou tão rápido”, dizem os alunos em férias. Aqui, pelo Araguaia, vamos também finalizando a temporada de praia. Turistas mal educados ambientalmente foram embora, deixando para trás um rastro de sujeira, contrastando com a beleza natural que ainda temos por aqui. A natureza nos dá tudo de graça, mas o retorno de alguns dos nossos é em forma de agressão, demonstrando um analfabetismo ambiental terrível. Bem que o romancista e ativista dos direitos humanos francês, Victor Hugo (1802-1885), nos alertara: “É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve”.
Amanheci junto com Pedro. O dia nem havia acordado e lá estava eu diante do túmulo de nosso profeta do Araguaia. Uma manhã fria para os padrões daqui, mas nada que impedisse os pássaros a cantarolar alegres pelas árvores do cemitério. Entre o pequizeiro, esbanjando e forrando o chão com as suas flores e o jatobazeiro, espalhando seus frutos pelo seu entorno; está lá a sepultura do bispo dos pobres, peões, prostitutas, ribeirinhos, indígenas posseiros do “Vale dos Esquecidos”. Uma energia descomunal brota naquele recinto, fazendo jus a beleza do cenário, com o Araguaia ao fundo e mais além, a Ilha do Bananal, trazendo de dentro de si o sol iluminando o dia. Impossível não louvar e agradecer a Deus pelo dom da vida e o privilégio de ali poder estar.
Pedro que, se ainda estivesse com a sua presença física entre nós, estaria muito triste no dia de ontem. A morte do Padre Ezequiel Ramim, acontecida de forma brutal, no dia 24 de julho de 1985, causou um baque em todos nós. Pertencente à ordem dos Missionários Combonianos, Ezequiel nasceu em Pádua/Itália, em 1953. No ano de 1983, chegou ao Brasil, vindo trabalhar em Cacoal/RO na Paróquia Sagrada família, Diocese de Ji-Paraná. As forças do mal tiraram a vida de um jovem missionário de apenas 32 anos, tudo por casa de sua luta em defesa dos indígenas e posseiros daquela região. Um sonho interrompido, mas a esperança renascida no sangue de mais um mártir das causas da vida, alimentando o nosso esperançar na luta.
O poder como símbolo do mal contrastando com o poder-serviço, como nos propõe Jesus. Somos chamados ao seguimento d’Ele, fazendo de nossas vidas um serviço às causas do Reino. Bem diferente daquilo que procura a mãe de dois dos seguidores de Jesus, querendo que os seus filhos tivessem um lugar de destaque entre os demais seguidores do Mestre Galileu: “Manda que estes meus dois filhos se sentem, no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda”. (Mt 20, 21) Como mãe, ela sabia o que estava pedindo, e os filhos também, mas eles não entenderam nada acerca dos ensinamentos de Jesus que dizia: “quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos”. (Mc 10,43-44).
Enquanto a mãe e os discípulos, Tiago e João, sonham com o poder, honrarias e privilégios (meritocracia), provocando, inclusive, a discórdia e a competição entre os demais discípulos, Jesus lhes mostra que a única coisa importante para o discipulado é seguir o exemplo d’Ele: servir e não ser servido. A proposta do Reino trazida por Jesus, na nova sociedade que Ele projeta, a autoridade está revestida de outra concepção e não se trata de um exercício de poder pelo poder, mas antes, a qualificação para o serviço que se exprime na entrega total de si mesmo para o bem comum de todos e todas.
Bem diferente do que ocorre hoje com algumas de nossas realidades eclesiais. O desejo da mãe de Tiago e João segue presente, incorporados em algumas de nossas lideranças religiosas. Bispos, padres, seminaristas, religiosos e religiosas, numa busca desenfreada pelo poder, regalias e privilégios, num carreirismo de fazer inveja ao mais tenro fariseu. O anúncio e vivência da Palavra, ficando em segundo plano, pois o egocentrismo gira em torno do personalismo, de alguém que anuncia a si mesmo. O poder como sonho de consumo, deixando de lado os ensinamentos da prédica e prática de Jesus. A busca pelo poder evidenciada a cada momento, sendo que o serviço em si, ficando para aqueles que “carregam o piano”. Quem é seguidor de Jesus e anseia pelo poder não deixou ser contaminado pelo processo de conversão. Quem ama serve. Quem não ama quer poder, como sabiamente nos disse o psicoterapeuta suíço Carl Jung (1875-1961): “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro”.
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