Segunda feira da Segunda Semana da Páscoa. Depois da semana de Oitava da Páscoa, o período pascal segue em frente, já que este período litúrgico vai desde o Domingo da Ressurreição (a começar do Domingo da própria Páscoa) até o Domingo de Pentecostes (sétimo domingo após o Domingo da Páscoa). Este é um período muito forte e especial para a fé cristã, por causa de toda a sua simbologia. Embora para o povo judeu, a Páscoa significa “passagem”, para os cristãos remete à morte e ressurreição de Jesus, sinalizando para o início de uma vida nova. É por este motivo que a Páscoa está inserida dentro da Semana Santa, onde na “Sexta Feira Santa” é celebrada a crucificação, e no “Domingo de Páscoa” se celebra a Ressurreição e as primeiras aparições do Ressuscitado aos seus seguidores e seguidoras.

Falar de Páscoa é falar de amor. Falar de amor é falar da entrega total de Jesus ao plano salvador de Deus para a humanidade. O amor é a essência da vida humana e também da vida cristã, de quem segue os mesmos passos de Jesus. Amar de forma gratuita e integralmente, para que desta forma sejamos participantes do grupo dos seguidores e seguidoras de Jesus. Aqui, o amor não se caracteriza como um mero sentimento interior, permeado por boas intenções, mas se traduz em gestos concretos de solidariedade, ternura, compaixão, de quem age pela misericórdia. Somente quem for capaz de enxergar esta vertente do amor, consegue conhecer a vida e entrega de Jesus pelo Reino. Tendo o amor como essência do nosso ser, nossa busca agora é pelo Reino, definido assim por Jesus: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: Está aqui ou: está ali, porque o Reino de Deus está no meio de vocês!” (Lc 17,20-21) De nada adianta procurar sinais misteriosos da vinda do Reino. Ele já está presente em qualquer lugar onde a ação de Jesus é continuada.

Nascemos do amor. Somos frutos do amor. O amor permeia toda a nossa existência, por mais que não estejamos sintonizados ou em paz com ele. Amar ao outro, significa também amar a nós mesmos. Quem não se ama adequadamente, também não é capaz de amar quem quer que seja. O princípio fundante da vida é este. Amar ao outro, nas circunstancias em que ele se apresenta a nós, é o nosso maior desafio como seres amantes. “Não amamos qualidades, amamos uma pessoa; às vezes tanto pelos seus defeitos quanto por suas qualidades”, definia assim o filósofo francês Jacques Maritain (1882-1973), que no dia de hoje relembramos a sua passagem para o outro plano. Como era de orientação católica, Maritain nos orienta como deve ser o nosso amor: “Amar é dar o que se é, o próprio ser, no sentido mais absoluto, mais descaradamente metafísico, menos fenomenalizável dessa palavra”.

Já que estamos falando de amor, a figura chave do texto que a liturgia nos traz hoje é a pessoa de Nicodemos. Mais do que um personagem bíblico, Nicodemos era um fariseu, doutor da Lei e príncipe dos Judeus. Uma figura influente presente apenas no Evangelho de João. No texto de hoje, João descreve o encontro dele com Jesus, na primeira vez que este foi a Jerusalém. Fascinado pela pessoa de Jesus, Nicodemos vai até Jesus, à noite, para não ser visto. Quis saber mais sobre a natureza a missão do Nazareno. No diálogo entre ambos, Jesus deixa claro que “para fazer parte do Reino de Deus era necessário renascer do alto”. De tão fascinado que estava com Jesus, este o defendeu no Conselho das lideranças religiosas, quando Jesus foi capturado, recordando aos fariseus que o acusado tinha todo o direito de ser ouvido antes de ser julgado.

“Se alguém não nasce do alto, não pode ver o Reino de Deus”. (Jo 3,3) Nascer do alto, eis o mistério transcendental da mística do Reino de Deus. Para tanto, é preciso uma compreensão teológica acerca desta afirmação forte de Jesus. Num primeiro momento, Nicodemos não consegue entender por achar que fosse entrar de novo no ventre materno. Jesus sabe daquilo que está falando, pois Ele é a expressão maior do amor divino de Deus, já que nasceu do alto como Verbo encarnado, enviado pelo próprio Deus à humanidade. Nicodemos só poderá entender todo este mistério tendo em si a força e a ação do Espírito, oferecido gratuitamente por Deus à pessoa humana. Somente o Espírito torna a pessoa capaz de responder a Deus, enchendo-se com a força divina que vem do alto.

Amar é isto, deixar ser penetrado por esta força sobrenatural que vem do alto, que vem de Deus. Todas as pessoas que fazem esta experiência profunda deste amor tornam-se instrumentos na mão de Deus em favor das causas do Reino. Esta força que vem do alto não serve apenas para ficarmos trancados nos espaços reservados dos templos, em atitude de oração/adoração, cumprindo preceitos, normas e dogmas, mas nos impulsiona para a ação transformadora do mundo, construindo entre nós uma nova sociedade, onde as causas e diretrizes do Reino sejam a espinha dorsal desta nossa ação. Não basta admirar o que Jesus diz, fez e faz, mas é preciso uma entrega total no compromisso com Ele, o que exige de nós uma transformação profunda, um novo nascimento. Portanto, não basta ter fé em Jesus. É necessário ter a mesma fé de Jesus, mas para isto, precisamos ser transformados pela ação divina do Espirito em nós.