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Memórias do Geraldinato (por José Carlos Criado)

Neste 26º ENESER – Encontro Nacional dos Ex-Seminaristas Redentoristas, em Aparecida, ao visitar o Pe. Peixoto, nosso professor de biologia, na casa do Potim, onde fiz meu ano de noviciado em 1969, as memórias deste tempo, sob orientação do mestre Pe. Leardini, vieram à tona.

Cada espaço, apesar de já ter sido modificado para abrigar os idosos redentoristas, reavivou lembranças daquele tempo.
Mais curioso ,ainda , foi o fato de ter ido com o Correia, amigo do Perdigão, no sábado à tarde, até o memorial redentorista onde há um terminal de consulta aos históricos dos falecidos padres redentoristas. Acionei o terminal de consulta e, sem que eu o solicitasse, surgiu a foto e todo o histórico de vida do Pe. Leardini. Correia observou que havia ligação entre nós.
Vi ,em seu histórico , que foi ordenado dois dias após meu nascimento , por um bispo de nome José Carlos. Achei curioso e resolvi registrar um pouco de minhas memórias desse tempo.
Naquela época, a Igreja estava em estado de revisão de todos os seus processos. Lembro-me que, inicialmente, nos foi dito que faríamos o noviciado em S. João da Boa Vista, com a duração de apenas seis meses.
Porém, foi decidido que seria no Geraldinato, Potim, por um ano, e sob orientação do Pe. Leardini.
Dois colegas, que eu tinha estreita ligação, logo no início, nos deixaram:
– o Nelson Duarte, de Santos, que foi orientado pelo Pe. Negri , saiu por concluir que não teria vocação, e
– o Giovani (Alfredo di Giovannantonio), de Goiás. Logo no início do ano, seu irmão e mais dois colegas, passaram pelo Potim, em uma picape, voltando do Rio de Janeiro, onde ele havia participado e ganhado em primeiro lugar uma competição de Vespa, que estava na caçamba. Chegando de volta para casa, já em Goiás, a picape bateu de frente com um caminhão, morrendo os três. O Giovani teve que sair em definitivo, não só porque os pais precisavam dele no momento trágico, mas também porque passou a ser filho único e arrimo de família.
Com o Nelson , eu aprendia a tocar nos órgãos de fole que existiam em várias salas e ,com o Giovani , passava muito tempo filosofando e especulando sobre a existência humana na terra.
Nelson manteve contato nos últimos anos, mas faleceu em outubro de 2022 e Giovani , consegui localizá-lo no início da UNESER, tinha um consultório dentário em Goiânia e nunca mais consegui contato.
O tema principal do noviciado foi a Teologia da Perfeição, mesclado com Mariologia.
As palestras diárias do Pe. Leardini eram muito didáticas e muito bem estruturadas.
No final de cada uma, ia para o meu quarto e resumia em folhas em formato de cálice, frente e verso. Foram sobras que recebi da gráfica que imprimiu nosso convite de formatura no Santo Afonso. Hoje tenho tudo digitado, de vez em quando releio.
Na primeira folha, nossos horários:

Obs.:
Laudes e Vésperas eram ,respectivamente , o momento de oração da manhã e da tarde.
Tércia era a oração das nove horas, Sexta a das doze e Nona , a das quinze horas.
Completório ou Completas era a última oração do dia.
Nosso nome, a partir daí então, seria sempre precedido de “Fr”, abreviatura de frater. Assim, passei a assinar como Fr. José Carlos Criado.

O prédio do Potim era todo pintado de branco e ficava cercado de árvores. A quantidade de aves era tão grande que quase todo dia eu passava de manhã ao redor e encontrava algum pássaro caído por ter batido na parede. Quando não havia rompimento do papo, o que acontecia muito com as rolinhas, eu levava para a cozinha, colocava no bico um pouco de água com açúcar, assoprava e logo ele saía voando. Os mais frequentes eram beija-flores de vários tipos, canário da terra, rolinha, galinha d’água, anu (branco e preto) e sanhaço.
Após o recreio do almoço, todos se recolhiam para seus quartos, para sua sesta, um horário reservado para pequeno momento de sono. Porém, como eu nunca conseguia dormir de dia, andava pelo pomar de frutas, observando a vida dos inúmeros tipos de pássaros que viviam por lá. Eram tantos que facilmente me deparava com ninhos prontos ou já com ovos.
Daí surgiu a ideia de retirar um ovo de cada espécie, quando ainda no começo, e fazer uma coleção para classificar aquela riqueza. Furava nas duas extremidades e ficava assoprando até sair todo o conteúdo. Depois, acomodava em um pequeno bloco de espuma que encaixei em uma caixa de madeira, anotando a data, o nome popular e o nome científico.
Tudo isto fazia durante o horário da sesta. Um dia o Pe. Pereira, passando por lá, me chamou a atenção no sentido de ter respeito com a natureza, mesmo sendo para estudo.
No entanto, os ovos serviam mais para filosofar sobre a existência, a origem da vida.
Muito de nosso tempo era dedicado à meditação.
No meio do ano fomos passar as férias na Pedrinha. Foi quando pudemos assistir pela televisão , a chegada de Neil Armstrong e Buzz Aldrin na lua, em 20 de julho de 1969.
Nosso convívio era muito bom. Recordo-me de atividades , como cuidar do jardim na frente do prédio, onde o atual Pe. Casildo tinha especial dedicação em plantar folhagens coloridas e flores boca de leão. Pescaria de lambari que só o Torati conseguia pegar grandes quantidades só na vara. Natação no rio Paraíba que passava próximo, onde o atual Pe. Mário Paim sempre era o que atravessava de uma margem a outra bem mais rápido que todos nós. Nos pequenos intervalos ficávamos conversando sentados no lado de fora, onde havia e ainda há, embora refeito, um pequeno local em círculo coberto de sapé.
Após encerramento do noviciado, fizemos os votos temporários, por três anos, de pobreza, castidade e obediência, na Basílica Velha de Aparecida, recebendo a batina redentorista com colarinho branco e rosário na cintura. A cerimônia foi em 20 de janeiro de 1970, com a presença de meu pai.
Em 1970, iniciamos os estudos de filosofia no IRES – Instituto Redentorista de Estudos Superiores, mais conhecido como Alfonsianum, situado no Km 20 da Rodovia Raposo Tavares, município de Cotia/SP, próximo ao Rodoanel , construído posteriormente. Hoje, o prédio é de propriedade do governo e abriga um presídio feminino.
Neste prédio me convenci de não ter vocação para continuar.
O ambiente encontrado nada tinha a ver com o que vivíamos com o Pe. Leardini.
A visão de futuro como padre missionário redentorista foi se desfazendo.
No final do primeiro ano solicitei minha saída. Por orientação do Pe. Licatti fiquei mais um ano, para ter certeza, e no final do segundo ano saí em definitivo.
Acredito que se tivesse vocação teria superado aquela fase e hoje estaria trabalhando como o Pe. Casildo Ribeiro, Pe. Mário Paim e o falecido Pe. Carlos Arthur, ou mesmo como o Pe. Valdevir Cortezi, que se tornou secular e hoje é pároco na Paróquia Nossa Senhora da Luz, Tucuruvi, S. Paulo/SP.
Cada um dos demais foram saindo para exercer um sacerdócio diferente junto à sociedade.
As orientações passadas pelo Pe. Leardini, marcaram-me em definitivo, familiar, profissional e socialmente. Mantenho-o em minha memória como meu maior mentor de espiritualidade intelectual.
Como mais uma coincidência, seu falecimento foi há exatos 23 anos atrás, dia 22 de julho de 2000.

Luiz Cassio

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