Marialva

PEDRO AVELAR. Escritor e poeta.

E me bate à porta outra vez
Marialva, aquela senhorinha
De cabelos brancos, idosa, talvez.
Há algum tempo aqui não vinha,
Que antes o fazia de mês em mês.

Mora do outro lado da rodovia
E vive só. O companheiro Joaquim,
Levaram-no numa madrugada fria.
Envolvido em confusões sem fim,
Há tempos procurado pela polícia.

Mas chorou quando ele partia,
E dele não teve mais notícia.
A filha Dorinha, ainda criança,
Fora dada em irregular adoção:
Levou-a um casal de Minas Gerais.

Mas era da mãe a única esperança,
E lhe doeu a alma e o coração.
Marialva não a viu nunca mais.
Agora, quando dá, cata latinhas
Nas ruas, sacos e latas de lixo.

Vem ao meu bairro e ruas vizinhas,
Mas a escolha não é mero capricho.
É sugestão de outros mortais
Que estão nos projetos sociais.
Isso, triste, foi o que constatei.
Assim Marialva, num lamento,
Veio a pedir-me leite. Ponderei:
– Está tão caro nesse momento,
Parece que me esteja a faltar.
Contudo, por favor, não se vá:

Porque eu lhe posso arrumar
Algumas bolachinhas de sal.
E mais, bolo caseiro de fubá,
Biscoitos, um pouco de cural
E algum chá, talvez uma maçã.

– Ah Doutor. Muito obrigada.
O que me dás é fina iguaria:
É o mais rico café da manhã.