Terça feira da Semana Santa. A Semana Dolorosa é o período litúrgico da tradição cristã, sendo os sete dias que antecipam a celebração da Páscoa, com a Ressurreição de Jesus. Ela se inicia com o Domingo de Ramos, sendo marcada também pela Segunda-Feira Santa, Terça-Feira Santa, Quarta-Feira Santa, Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa, Sábado de Aleluia e pelo Domingo de Páscoa. Fazemos a memória histórica em que Jesus realizou suas últimas ações, sendo recebido em Jerusalém de maneira triunfal, expulsando os vendilhões do templo, realizando a Última Ceia com os seus discípulos, entre outros eventos mais. Na Quinta-Feira Santa, Jesus foi preso, julgado, condenado, torturado, e foi morto na Sexta-Feira Santa, Ressuscitando no Domingo de Páscoa. Este é também o percurso que faremos, dando um passo de cada vez, até chegar à glória da Ressurreição. UM dia, com Ele também haveremos de estar, na glória do Pai.
Terça feira Santa e, para completar, com a Lua Cheia. Nesta fase, segundo os que mais entendem, a Lua Cheia ocorre quando ela está do lado oposto da Terra em relação ao Sol, com a Terra entre os dois. Assim sendo, nesse momento, a face inteira da Lua é iluminada pelo Sol, aparecendo completamente redonda e brilhante no céu, como a vimos por aqui na noite passada, a beira do Araguaia. São os mistérios de Deus, já que a Lua, diferente do Sol, não tem luz própria. A luz que vemos nela é, na verdade, a luz refletida do Sol. Essa luz refletida é o que nos permite enxergá-la com toda a sua beleza, estando Cheia. O Astro-Rei, além de acordar o dia a cada manhã, também faz brilhar os seus raios refletidos na lua. Coisas de Deus.
Estamos dando o terceiro passo dentro da nossa Semana Santa, a caminho da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré. Para isto, como proposta litúrgica, seguimos refletindo com o Evangelho Joanino. O Evangelho de João é diferente dos três primeiros Evangelhos (Sinóticos). Enquanto eles reuniram os assuntos que formavam a catequese existente em suas comunidades, João seguiu por outro caminho. Seu Evangelho é uma espécie de meditação, que procura aprofundar e mostrar o conteúdo da catequese existente em sua comunidade. Desta forma, seu Evangelho visa antes de tudo, despertar e alimentar a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, a fim de que todas as pessoas tenham a vida, e vida em plenitude. (Cf. Jo 20,30-31).
Desta vez, João nos coloca dentro da cena em que Jesus está sentado à mesa com os seus discípulos. Estar à mesa para a cultura e tradição judaica era um momento de profunda intimidade, afinidade e cumplicidade. A mesa é lugar de comunhão, de partilha e da união entre as pessoas. A mesa é também o lugar de encontro, onde se compartilham refeições e se fortalecem os laços familiares e comunitários. No contexto bíblico, a mesa também é associada à presença de Deus e à celebração da vida. Entretanto, o momento narrado por João é de profunda tristeza para Jesus, já que Ele vai falar exatamente da traição que um deles iria cometer, ferindo a sua confiança em seu grupo: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará”. (Jo 13,21). A traição de Judas Iscariotes é emblemática porque, apesar da confiança de Jesus nos seus, nem todos estão preparados para levar adiante o compromisso de fidelidade e coerência às causas do Reino. Tal cena deixa os demais membros do grupo perturbados, pois se trata de algo muito sério, mas real, tanto la, como cá.
Como vemos, a longa noite da paixão de Jesus começa com a traição de Judas, símbolo da traição que pode estar presente dentro da própria comunidade cristã. Ao escolher as pessoas para fazerem parte de seu grupo, Jesus não chamou para junto de si as pessoas perfeitas, desprovidas de pecado, “gente de bem”, mas convidou pessoas humanas, sujeitas à fidelidade, mas também às infidelidades e as imperfeições. Um traiu (Judas), o outro negou (Pedro), e mais um (Tomé), disse que só acreditaria se tocasse o seu dedo na ferida. Não que Jesus tivesse feito má escolha daqueles que Ele queria junto de si, mas assim são as pessoas humanas, como eu, como você, que somos também chamados para fazer parte deste grupo do discipulado de Jesus.
Depois da cena da traição de Judas, e da afirmação da negação de Pedro, Jesus faz o anúncio da sua partida. Sua hora está chegando, pois as forças da morte estão se aproximando cada mais. Os poderosos não suportam alguém que fale de amor, dissemina a verdade, viva a justiça e igualdade e luta pela fraternidade. Apesar de todas as nossas imperfeições e incoerências, o amor está no ar: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. (Jo 15,12) É o amor que mobiliza para as ações e pode nos colocar dentro das lutas cotidianas. O mandamento novo supera todos os outros mandamentos. Deus e a pessoa humana são inseparáveis. E é somente amando ao outro, que dou mostras de que amo a Deus. Em Jesus, Deus se fez presente no homem Jesus, o Verbo encarnado, tornando-o intocável. Tal mandamento novo gera a possibilidade, que oferece uma alternativa de vida digna e liberdade perante a morte e a opressão. “Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas me seguirás mais tarde”. (Jo 13,36) Seguir a Jesus é andar pelas vielas de nossas imperfeições, buscando a todo o momento a fidelidade às causas do Reino.
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