Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segunda feira da décima segunda semana do tempo comum. E assim vamos nós em direção ao horizonte de nossos sonhos. Vivendo um dia de cada vez, olhando para o passado, vivenciando integralmente o presente na perspectiva do futuro. Ainda não cicatrizou em nossos corações, a chaga da tragédia em solo amazônico. Nossa missão é não deixar cair no esquecimento. A memória viva de Dom e Bruno permanecem em nós. Agora não nos bata saber quem matou a vida, mas quem mandou os órgãos de segurança se apressarem na conclusão das investigações, numa tentativa de isenção de “culpa” dos verdadeiros assassinos.

A memória é que sustenta a nossa caminhada de fé. Nossa memória é curtíssima. Um povo sem memória é um povo sem história. Está fadado a repetir os mesmos erros do passado. Os exemplos são muitos. Somos a descendência de um período colonial perverso, que sustenta ainda hoje os valores da “Casa Grande” e a escravização moderna das “senzalas”. O machismo, o racismo estrutural, a aversão ao pobre (aporofobia), convivem conosco e alguns de nós os sustentamos como valores intrínsecos à nossa personalidade. Memória e história caminham de mãos dadas. Ninguém jamais conseguirá apagar a memória da história. Até podemos ignorá-la, mas ela estará sempre ali, fustigando a nossa consciência, às vezes pesada.

Dom e Bruno estão vivos, assim como deve estar viva a nossa memória. É esta mesma memória que não nos deixará calados diante da barbárie. Do fundo do nosso peito sai o grito ensurdecedor de quem, não se cala diante da morte matada, vida ceifada, planejada. Uma voz que não se cala como o clamor do pobre expressado pela boca do salmista: “Dos fundos abismos, eu clamo por Ti. Vem logo Senhor, meu grito ouvir! Ouvi, Senhor, a minha voz!” (Sl 130/129). A noite escura das trevas vai passar e a justiça chegará. A floresta inteira clama por justiça e os ancestrais estão atentos. Como dizia o filosofo Cícero (106 a.C.-43 a.C.): “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”.

Somos filhos da esperança e da família da utopia do Reino. O Deus da vida caminha conosco na história. O crucificado é o mesmo Ressuscitado nas nossas lutas. Caminhando com Ele, acreditamos na possibilidade de fazer a história acontecer pelas nossas mãos. A justiça e a paz se abraçando em festa juvenil. Com Ele, faremos uma história diferente, onde “a verdade brotará da terra, e a justiça olhará desde os céus. O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se abraçarão”. (Sl 85,10-11) A semente da esperança está germinando em nossas veias e nas nossas lutas por outro mundo possível para todos.

Os tempos são difíceis. Tenho rezado muito para que o meu horizonte não se feche sem perspectivas. O Deus da esperança faz desabrochar em mim um olhar panorâmico frente às forças da morte. Nunca imaginei que o meu “ser com os indígenas” fosse uma simples “aventura”. “Malvisto”, eu sei que sou! São trinta anos pisando o chão sagrado dos territórios indígenas, bebendo de sua cultura ancestral e dos saberes milenares. Orientado por Pedro, que me disse quando pisei pela vez primeira numa aldeia indígena: “você não vai estar lá como padre, mas como um com eles nas suas lutas. Quando muito vai ‘desevangelizar’”. Levei esta fala tão a sério, que não consegui mais sair. Sei quem sou e sou feliz como sou. O sangue indígena corre nas minhas artérias e no meu coração sonhador.

Culpados foram Dom e Bruno. Quem mandou fazer aventuras na floresta? Culpado foi Jesus. Quem mandou andar pela periferia da Galileia, se metendo com aquele tipo de pessoas? Acolhendo crianças, pobres, prostitutas, pagãos, subvertendo a ordem estabelecida e ainda oferecendo àquela “gentália” a morada no Reino: “…delas é o Reino dos Céus”. (Mt 19,14) Procurou, achou! Foi parar numa cruz reservada aos malfeitores, fora da lei. Poderia muito bem ter estado em oração, “adorando o Santíssimo” no Templo de Jerusalém; participando do “Cerco de Jericó”, bajulando e massageando o ego da elite burguesa de Jerusalém. Bem feito!

O jeito revolucionário de ser de Jesus só poderia ter terminado na cruz. Todavia, a cruz foi a consequência de sua fidelidade e de não ter abandonado o Projeto Salvador de Deus, através da encarnação do Verbo. Se a arma da cruz matou Jesus de Nazaré, a vitória de Deus triunfou, pois o crucificado foi descido dela, se tronando o Cristo vivo Ressuscitado que caminha pelas veredas de nossas vidas. Mataram a vida de Dom e de Bruno. Como Jesus ressuscitado, ambos vivem nas nossas lutas, já que o sangue de seu martírio não foi derramado em vão, mas fertiliza a nossa caminhada, não nos deixando desistir de esperançar. https://www.youtube.com/watch?v=Q5e0PtBPHZA