Segunda feira da Primeira Semana da Quaresma. Iniciamos a semana em clima de busca da nossa conversão. Se bem entendida, converter é muito mais do que praticar atos e ritos devocionistas, desta ou daquela religião. Trata-se antes de uma mudança radical de vida, no jeito de ser, pensar e agir nas relações, objetivando a construção de outro mundo possível. Precisamos superar urgentemente a infeliz ideia de que basta ter boa intenção. O caminho do inferno está pavimentado delas. Converter significa aproximar-nos de Jesus e de seu projeto do Reino. Seguir Jesus para conhecê-lo e conhecendo para segui-lo. Esta atitude requer de cada um de nós a vivência prática de uma fé enraizada e consciente, movida pelo amor, pelo perdão, pela misericórdia solidária com as causas dos pequenos.
Converter-nos para o cuidado com a Casa Comum. Neste ano de 2025, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), nos conclama a repensar o nosso jeito de olhar para a Mãe Natureza. Converter-nos à Ecologia Integral, refletindo e nos posicionando sobre a temática: Fraternidade e Ecologia Integral, cujo lema é fundamentado numa citação do Livro do Gênesis: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31) O livro que abre a biblioteca bíblica, mais do que um tratado cientifico, trata-se antes da narrativa da criação, como um poema que contempla o universo como criatura de Deus. E, evidentemente, todos nós inclusos nesta criação. Portanto, cuidar desta Casa Comum é cuidar de todos nós ao mesmo tempo. Por isso a necessidade de converter-nos ao cuidado com a Mãe Terra.
O Papa Francisco, que segue com a sua rotina de recuperação da saúde, numa de suas falas recentes nos coloca dentro do contexto da liturgia desta segunda feira. Dizia ele: “No fim de nossas vidas, seremos julgados pelo amor, isto é, pelo nosso esforço concreto em amar e servir Jesus em nossos irmãos menores e necessitados”. É desta forma que somos desafiados a viver, lembrando que seremos julgados pelo que fomos capazes de fazer ou não, segundo a proposta de Jesus. É desta forma que o evangelista Mateus nos convida a refletir com este longo texto do final de seu evangelho. Aliás, o conteúdo desta perícope é específico deste evangelista, não aparecendo nos textos dos demais evangelistas.
Assim sendo, esta é a única cena dos Evangelhos que mostra qual será o conteúdo do juízo final. Como podemos observar, seremos julgados pela fé que tivemos em Jesus. Não apenas ao Jesus do altar, do sacrário ou das muitas rezas, mas é um compromisso que assumimos com a pessoa concreta de Jesus, presente na pessoa dos irmãos e irmãs mais necessitados. Sim, porque este mesmo Jesus está identificado com os pobres e oprimidos, marginalizados por uma sociedade baseada na riqueza e no poder. Um dia, estaremos frente a frente com o nosso Deus e ali, o julgamento será sobre a realização ou não de nossa prática de justiça em favor da libertação dos pobres e oprimidos. Como vemos, esta é a prática central da fé, desde o início apresentado por Mateus como o cerne de toda a atividade de Jesus: “cumprir toda a justiça” (Cf. Mt 3,15). Esta é a condição “sine qua non” (indispensável, essencial, impreterível) para participar da vida do Reino.
Mateus se encarrega de trazer até nós uma narrativa que faz parte da tradição apocalíptica bíblica e judaica. No Antigo estamento, o profeta Daniel já nos introduziu nesta linguagem apocalíptica, quando no capitulo 12 de seu livro, ele narra a sua visão acerca do fim dos tempos. Trata-se, portanto, de uma revelação relativa às coisas últimas, ao juízo final. Neste julgamento, aparece o “Filho de Homem”, que é uma figura humana e ao mesmo tempo celestial, que tem um papel fundamental na instauração do Reino de Deus e, consequentemente reconduzindo os eleitos para o colo de Deus. Também Jesus se identificou e personificou em si este personagem de gloria e poder, já que Ele está em plena sintonia com o Pai, como bem registrou o evangelista São João: “Eu e o Pai somos um”. (Jo 10,30) É Deus mesmo agindo na pessoa de Jesus.
O texto de Mateus de hoje nos obriga a pensar na nossa vida como um todo. Pelo visto, não escaparemos do “tête-à-tête” deste juízo final. Seremos cobrados, não pelas centenas de milhares de missas que “assistimos”, mas pela prática concreta do amor, da misericórdia, da justiça, do perdão e das atitudes solidárias, como está sintetizado neste versículo do texto de hoje: “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40) Como Deus nos conhece profundamente, e sabe tudo sobre nós (cf. Sl 139,16), nesta hora não adiantará arrumar as nossas desculpas esfarrapadas, na tentativa de justificar o nosso não agir pelas causas do Reino. Bem que Tiago já nos alertara: “A fé sem obras é morta” (Tg 2, 17). Nosso único meio de salvação é a fé, e adesão a Jesus de Nazaré, mantendo firme a fé, não de forma teórica ou como um mero sentimento interior; mas como um compromisso que se manifesta concretamente em atos palpáveis e visíveis a luz do dia, ou na escuridão da noite.
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