Neste XIV ERESER – Encontro Regional de Ex-Seminaristas Redentoristas, que ocorreu no Seminário Santa Teresinha, em Tietê, de 26 a 28 de maio/23, estiveram presentes ex-seminaristas, do Seminário de Tietê e do Seminário de Aparecida. Grande parte deles acompanhados de seus familiares, esposas, filhos e netos, mais de 60 pessoas.
Muita animação, reminiscências e reencontros em momentos pré determinados para confraternização, reflexão e oração. Cantorias sertanejas à noite em grande estilo, graças aos amigos violeiros. Todos tiveram a mesma base para um mesmo objetivo e depois se espalharam cada qual para seu lado, como sementes a espalhar o que aprenderam, tornando-se profissionais diferentes mas irmanados pelo tempo de convívio no Seminário, mesmo passados tantos anos.
Ao visitar o espaço da horta do Seminário, ouço barulho de alguém trabalhando animadamente com enxada. Aproximando, identifico o Pe. Furlani, com 95 anos, em pleno vigor, capinando em baixo dos pés de caquis!
Depois, indo para a Capela do Convento, encontro o Pe. Zulian meditando, hoje com 92 anos, também cheio de vigor e ponderado como sempre.
Pe. José Oscar Brandão como reitor e Pe. Hilton Furlani e Pe. Archimedes Zulian como seus auxiliares foram os primeiros formadores que tive nos dois anos que passei no pré-Seminário da Pedrinha, em Guaratinguetá, de 1961 a 1962 aos 11 e 12 anos de idade.
Foi uma alegria muito grande encontrá-los tão ativos, depois de 61 anos, e a memória logo começou a funcionar, relembrando nosso tempo na Pedrinha, aos pés da Serra da Mantiqueira, em meio à natureza exuberante de vida selvagem, longe da civilização. Quando o Pe. Furlani se juntou ao grupo, cada um começou a puxar pela memória!
Inevitável não lembrar daquele tempo tão rico!
Vindo de São Paulo, foi com o Pe. Furlani que aprendi a pegar em enxada, a capinar rápido e ainda me lembro de ter desafiado e competido com alguns colegas na época para ver quem era mais rápido na limpeza.
Tinha dois campos de futebol e uma grande piscina. A piscina era alimentada diretamente por um córrego, sem filtro, que descia da Serra. Antes de chegar à piscina, havia um desvio para tocar a usina hidroelétrica que o Pe. Fulani só ligava à noite para iluminação do Seminário e da Vila próxima.
Foi nos montes de gramas cortadas que aprendíamos e treinávamos a fazer piruetas e saltos mortais que, depois repetíamos no trampolim da piscina! Foi lá que aprendi a nadar pelo método mais rápido e eficiente: empurrado na parte funda da piscina para se virar! Quem não pulava, era empurrado e rapidamente aprendia a nadar!
Para uma criança da cidade era o paraíso. Além das aulas curriculares, palestras, orações e esportes, aprendi a identificar muitos animais silvestres. Infelizmente também aprendi a fazer arapucas, estilingue e bestas. Nesta época não tínhamos consciência ecológica, nem televisão havia. Mas lembro-me do Pe. Zulian incentivando a fazer casinhas para os passarinhos fazerem seus ninhos que amarrávamos nas árvores ciprestes, ao lado do prédio.
De vez em quando, após o jantar, o Pe. Furlani, projetava para todos nós, na parede de um dos lados internos do pátio do Seminário, uns filmes, de rolos de fitas, que ele trazia dos consulados em São Paulo, dos Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha, mostrando um pouco de cada país.
Pe. Furlani era famoso por suas “penteadas”. Quando alguém estivesse se comportando errado no refeitório, recebia a mão rasante passando por sua cabeça, para a devida correção! Tinha que ter postura, educação, civilidade e, principalmente silêncio durante as refeições porque sempre havia alguém lendo em voz alta algum livro qualquer. Se conversasse com o vizinho e ele estivesse próximo, lá vinha uma “penteada”!
Neste encontro, ao recordarmos este fato ele garantiu que aquilo não passava de um afago carinhoso! De fato, era apenas uma rasante leve!
No segundo ano, o Pe. Brandão foi substituído pelo Pe. Silvério Negri, ambos já falecidos.
Eram três padres formadores, cuidando de quase cem crianças de 11 a 13 anos, auxiliados por algum Irmão e pela família do Sr. Zoza e Dna. Alzira na cozinha e lavanderia. Dna. Alzira ainda vive e já completou 100 anos. De vez em quando vinha algum padre de Aparecida para dar aulas complementares, como música.
O dormitório era imenso com cama e armário alternados para cada um. Às 5:30, entrava o Pe. Furlani com um sino na mão acordando todo mundo para se levantar. Alguns corriam para cair na piscina gelada, de onde subia uma fumaça de neblina da água. Tinha que ter coragem para entrar e coragem para sair! O corpo submerso ficava mais quente do que as partes do corpo fora d´água!
Pe. Negri convocava alguns e ensinava a pegar cobras, sapos, aranhas e escorpiões para enviar por trem ao Instituto Butantã, através de caixas próprias. Depois chegava soro antiofídico, para socorrer não só a nós como também aos moradores locais, quando necessário.
Nas férias sempre havia excursão para algum lugar, sempre subindo a Serra: Pirutinga, São Lázaro, Pedrona, Pedrinha, Campos, entre outros. Éramos acordados ás 4:30 para começar a subir às 5:30, em temperatura próxima de zero, no meio do ano.
Com os colegas, a maioria vinda do interior, aprendi a identificar muitos passarinhos pelos nomes. Pegar preás, rãs e peixes com as mãos. Mais de uma vez enfiei as mãos nos buracos abaixo das margens de lagos e, pensando estar trazendo uma bela traíra, trazia uma cobra d´água, que no susto jogava longe. Depois de limpar a caça, levava para nosso cozinheiro, o Sr. Zoza, para a próxima refeição, o que ele nem sempre gostava porque acabava por atrapalhar seu serviço.
Enfim, pela legislação atual, provavelmente, o Seminário seria interditado e os padres levados presos!
Éramos expostos a grandes perigos e sempre muito bem protegidos por nossos protetores anjos da guarda. Era bom demais!
Para a grande maioria de nós, crianças, uma das diferenças marcantes na educação é que inexistia castigo pessoal, diferente do que acontecia em casa com fio de ferro de passar ou vara de pitangueira.
Como é bom recordar aqueles dois anos de aprendizado intensivo, antes de ser transferido para o Seminário de Santo Afonso, em Aparecida.
Só gratidão para com estes padres abnegados que marcaram as vidas de tantas crianças no preparatório à vida adulta. Obrigado Pe. Furlani e Pe. Zulian!.
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