Sábado depois das Cinzas.

Estamos vivendo o último final de semana do mês de fevereiro.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

A quaresma vai se delineando em nós, motivando-nos à conversão. Lembrando que a concepção bíblica nos orienta que o sentido geral da conversão é mudar a orientação da própria vida, ou seja, reorientar as nossas opções visando o seguimento fiel à proposta de Jesus, a “Testemunha Fiel”. “O reino dos Céus está próximo: Convertei-vos!” (Mt 4,17) Seguir a Jesus implica deixar as seguranças que possam impedir o compromisso com uma ação transformadora na realidade que ora estamos vivendo. Desde o chamado dos primeiros discípulos, Jesus faz um convite aberto à todos e à todas os que ouvem à sua Palavra: “Pela palavra de Deus, saberemos por onde andar. Ela é luz e verdade, precisamos acreditar”.

Depois de vários dias seguidos de chuva por aqui, acordamos nesta manhã com o sol mais radiante. O céu da noite, recheado de estrelas, prenunciava o dia que teríamos. Como dizem as pessoas mais velhas por aqui, foi tanta chuva nestes dias que lavou todas as estrelas e elas ficaram mais vivas no céu. A noite estava linda! Um convite para apreciar toda a beleza do Rio Araguaia transbordante, lambendo as paredes do cais em São Félix. Muitas das pessoas aproveitaram deste belo ambiente para tomar a sua cerveja e conversar com os amigos. Privilegio de poucos. Também por isso, sou feliz no Araguaia.

Rezei nesta manhã esperando pelo nascimento do sol no cais. O nascer e por do sol no Araguaia é um presente de Deus. Não demorou muito e lá estava ele. Como dizem os indígenas, “de mãos dadas trazendo o dia para nós”. Segundo algumas etnias, se o sol não vai buscar o dia, ele não vem. Feliz foi o Padre Zezinho que nos deu de presente esta bela canção, que na sua primeira estrofe assim diz: “Irmão Sol com irmã luz Trazendo o dia pela mão”. Aliás, esta foi uma de suas canções que animou a minha vida vocacional nos primeiros anos de Seminário Santo Afonso, em Aparecida/SP, lá pelos idos de 1976. Era feliz e sabia disso!

https://www.youtube.com/watch?v=Cl2HGMpRWRQ

Um sábado em que a liturgia mais uma vez nos provoca enormemente. A temática deste sábado é justamente a dinâmica do chamado. Jesus que chama para si aqueles e aquelas que Ele quer ver junto de si. E não chama ninguém baseado no “Currículum Vitae” delas. Pelo contrário, não está nem um pouco preocupado com os “antecedentes” daquelas pessoas. Jesus um “fora da Lei” que se relaciona com os “fora da lei”. Está com eles, convive com eles, se relaciona com eles, come na mesma mesa com eles, sem se importar com o que as outras pessoas (escribas, fariseus, doutores da Lei, sumo sacerdotes, anciãos do povo) vão dizer sobre esta sua conduta.

Do outro lado da fila estão os moralistas de plantão. “Os fariseus e seus mestres da Lei murmuravam e diziam aos discípulos de Jesus: “Por que vós comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?” (Lc 5,30) Os que “cuidavam” da religião da época, mas que não aceitavam que aquela gente de má fama participasse da mesa. Os excluídos que não eram incluídos, por mais que falassem em nome de Deus. Jesus é aquele que veio justamente para esta gente que nada valia para a sociedade daquele tempo. Jesus que faz questão de estar junto, lado a lado com os pecadores, cumprindo aquilo que fora dito pelo profeta Ezequiel: “Não quero “a morte do pecador, mas que ele volte, se converta e tenha vida”. (Ez 33,11)

Jesus convida Levi (Mateus), um cobrador de impostos, para fazer parte de seu grupo. Seleto de seguidores. Um “péssimo sinal” para quem quer formar um grupo de ilustres personagens de pessoas ilibadas. Naquele tempo, os cobradores de impostos eram desprezados e marginalizados porque estavam à serviço da dominação romana, cobrando imposto e, também aproveitando para roubar. O Império Romano dispunha pessoas nativas de cada lugar encarregadas de recolher as taxas de impostos que o povo devia pagar ao Imperador. Essas pessoas, eram odiadas pela população por este serviço prestado aos romanos e não eram bem vistos. Ao chamar um cobrador de impostos, o Mestre Galileu rompe com os esquemas sociais que dividem as pessoas em boas e más, puros e impuros, “gente de bem” e gente do mau. Jesus não trai a sua missão de estar ao lado dos que mais necessitam: os marginalizados. Sua missão, como Ele mesmo disse, é reunir e salvar aqueles que a sociedade hipócrita rejeita como maus: “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão”. (Lc 5,32)

Este mesmo chamado de Jesus continua na história e se estende também a cada um de nós. Sinta-se chamado! Sinta-se chamada! A sua missão é a continuação da missão d’Ele. “Jesus que chama os que Ele quer”. (Mc 3,13) Nos chama por sermos quem nós somos. As credenciais para fazer parte de seu discipulado é estar disposto e disposta a ser com e como Ele: assumir na experiência mais profunda da vivência de fé as dores dos que mais sofrem e são marginalizados, excluídos, desprezados. Converter e atender o chamado é ser um “fora da lei” como Jesus.