Sábado da primeira semana do tempo comum.
Depois de um sol generoso que se fez ontem por aqui, São Pedro voltou a abrir as suas torneiras de novo.
Tudo indicava que seria um dia quente e de domínio absoluto do astro rei, entretanto, em pouco tempo os macacos bugios, que se alimentavam dos saborosos frutos de cajá, tiveram que sair em disparada. Antes de a chuva cair em profusão, fiquei um longo período observando aqueles “primatas”, de pernas entrelaçadas sobre os galhos da árvore, feito criança, saboreando os frutos, com gestos muito parecidos com os nossos, reforçando em mim a “teria da evolução da espécie”.
Eu que tinha o propósito de rezar com o profeta do Araguaia, tive que abortar a ideia e contentar a rezar quietinho no meu quintal. Contemplar a natureza e tudo que a cerca é uma das formas de oração. Infelizmente com o corre-corre da vida moderna e das tecnologias dominando as pessoas, perdemos esta sintonia com as multiformes manifestações da natureza ao nosso redor. Como diriam as lideranças indígenas, “precisamos escutar o pulsar do coração da Mãe Natureza”. Um grande desafio que se nos interpõe, pois entre nós, há pessoas que não possuem um celular apenas, mas se deixam possuir por eles, numa relação de profundo domínio e dependência ante eles.
A liturgia proposta para o dia de hoje é extremamente significativa para nós, se quisermos conhecer melhor a atuação de Jesus no seio da nossa história humana. Sua prédica e prática estão diretamente voltadas para as classes mais subalternizadas, os pecadores. Etimologicamente entendendo a palavra prédica na sua acepção originária como o anuncio (pregação) em forma de palavra, feito por Jesus. Como nos dizia o teólogo católico belga Edward Schillebeeckx: “Jesus não se anunciava a si mesmo”. Ele se limitou a anunciar o Pai e seu Reino, Sua prédica e prática estavam voltadas inteiramente para os pobres de Javé, se fazendo presença viva e libertadora com eles.
Jesus que não faz mistério, mas se coloca literalmente lado a lado com os pecadores. Come com eles inclusive: “E aconteceu que, estando à mesa na casa de Levi, muitos cobradores de impostos e pecadores também estavam à mesa com Jesus e seus discípulos. (Mc 2, 15). Para a cultura judaica, a mesa é um espaço íntimo “sagrado”. Sentar-se a mesa e comer com quem quer que seja, era entrar na intimidade daquela família. Comer com os pecadores era como se pecador se transformasse. “Diga-me com quem andas que te direi quem tu és”. Era exatamente desta forma que as autoridades religiosas do tempo de Jesus o viam: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (Mc 2, 16)
“Não são as pessoas sadias que precisam de médico, mas as doentes. Eu não vim para chamar justos, mas sim pecadores’” (Mc 2,17). Com sua atitude coerente e fiel ao Projeto do Pai, Jesus rompe os esquemas sociais vigentes que dividem as pessoas em boas e más, puros e impuros, pecadores e “pessoas de bem”. Ele mostra que sua missão é reunir e salvar aqueles que a sociedade hipócrita rejeita como maus. Naquele contexto histórico de Jesus, um pequeno grupo de doutores da lei, fariseus e escribas se tornaram como os “donos de Deus”, os “donos da salvação”, os “donos da religião”. Com tais posturas, afrontavam o Mestre Galileu, que se dizia enviado por Deus como Filho seu. Que alegria saber que Jesus se faz presente em nós e conta com pessoas pecadoras como nós, como eu, como você e tantas outras mais.
A atitude de Jesus é uma atitude profética que rompe com as estruturas de poder, orquestradas por aqueles que se apossaram do nome de Deus e em seu nome marginalizavam ainda mais os empobrecidos, excluindo-os da participação ativa da vida. Apossando do espaço do sagrado da “religião”¸ as autoridades religiosas, não aceitavam, em hipótese alguma que Jesus pudesse construir um caminho de diálogo, de amor, de fraternidade, de comunhão com as pessoas pecadoras.
Este seja talvez o desafio maior de ser igreja de Jesus de Nazaré no contexto em que estamos vivendo. Uma Igreja que saia de si mesma e se faça Igreja viva, com os pecadores e marginalizados de hoje. Quantas destas pessoas estão à margem da sociedade e também da Igreja nos tempos atuais? Uma Igreja que se comprometa com as causas dos pequenos se fazendo igreja, trazendo em si a proposta de Jesus. Nunca devemos nos esquecer que Jesus não anunciou Igreja alguma em si mesma, muito menos “pregou” qualquer tipo de religião. Ele anunciou e viveu o Reino entre os pecadores. As igrejas e as religiões surgem como proposta de interpretação dos anseios de Jesus em instaurar o Reino entre nós.
Igreja pobre, com os pobres e para os pobres, como Pedro gostava de definir a Igreja que caminha com Jesus. Igreja que selou o seu compromisso com os pobres, ratificando-o na Conferencia Episcopal de Puebla em 1979 no México. Uma Igreja que, antes de tudo, desça do pedestal de seus púlpitos de pregações eloquentes e de boa retórica, mas vazias de sentido e significado para a vida dos pecadores, aos quais Jesus dedicou a sua vida. O púlpito não é um espaço sagrado, como alguns padres e bispos querem nos fazer crer. Sagradas são as pessoas que são convidadas a participar da ceia do Senhor. Nem cabe a quem quer que seja dizer que esta ou aquela pessoa não pode participar do altar da partilha (comungar). Pelo menos é desta forma que podemos concluir com esta experiência de Jesus, ao sentar-se à mesa e comer com os “pecadores”, “publicanos” e “cobradores de impostos”, afinal são eles os que mais necessitam da presença libertadora de Jesus e nossa.
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