Quarta feira da Décima Semana do Tempo Comum. Este ciclo litúrgico é o mais extenso, sendo 34 semanas, divididas em duas partes. A primeira parte inicia após a Festa do Batismo do Senhor e vai até a terça feira de Carnaval. A segunda inicia após a festa de Pentecostes. Durante o Tempo Comum, acompanhamos Jesus em sua vida pública até chegar a Jerusalém e ser aclamado como Rei. O Tempo Comum encerra o ano litúrgico com a Solenidade de Cristo Rei. Nas nossas celebrações, a cor predominante desse tempo é o verde, que simboliza a esperança da vinda do Reino de Deus. Reino que “já” está no meio de nós e “ainda não”. Somos desafiados a construí-lo no aqui e agora da nossa história, para contemplá-lo de maneira definitiva no colo de Deus.
“O Reino de Deus está no meio de vós”. (Lc 17,21) Está, mas ainda não está! Ele já está presente em qualquer lugar onde a ação de Jesus é continuada por aqueles que acreditam e fazem a sua adesão pelo seguimento d’Ele. Isso quer dizer que o Reino de Deus, embora esteja presente no meio de nós, “ainda não” foi estabelecido em sua plenitude entre nós, mas “já” foi inaugurado por Jesus e continua manifestando seus sinais por meio de todos aqueles e aquelas que dão continuidade a missão d’Ele. As bênçãos do reinado divino podem ser desfrutadas aqui e agora na vida daqueles que se entregam pelas causas do Reino. O seguidor, a seguidora de Jesus são aqueles que já desfrutam da vida abundante do Reino de Deus, aguardando com grande expectativa a manifestação plena de um novo céu e uma nova terra.
A grande temática de nossa exegese hoje está na Lei. Dando continuidade à reflexão sobre o “Sermão da Montanha”, tão característico do Evangelho de Mateus, Jesus está ensinando seus discípulos como eles devem cumprir a Lei. Evidente que Jesus não enfoca o cumprimento da Lei da mesma forma que os legistas, especialistas na Lei Mosaica vivenciavam. Para estes a Lei tinha que estar acima de tudo. “Dura lex, sed lex”, isto é, “a lei é dura, mas é lei”, uma expressão latina para garantir que, por mais dura que possa ser uma lei, ela deve ser cumprida, exigindo ou não da pessoa grandes sacrifícios.
Para Jesus, maior que qualquer lei, é a pessoa humana. Neste sentido, Ele vai na contramão de um sistema de lei que, só pelo fato de ser lei, está acima inclusive dos valores humanos. Para Ele a lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela possa realizar de justiça, de paz e igualdade entre todos. Cumprir a lei fielmente não significa transformá-la em observâncias minuciosas, escravizando as pessoas. A Lei precisa ser cumprida sob os parâmetros da justiça e da misericórdia, a fim de que todas as pessoas tenham vida e relações mais fraternas, solidárias e igualitárias. O chileno Salvador Allende soube interpretar este pensamento de Jesus quando disse: “Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos”.
No nosso texto de hoje, Jesus faz questão de salientar: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5,17) Ao tomar posição firme e coerente frente à doutrina tradicional dos judeus, Jesus mostra aos discípulos, e aos ouvinte de maneira geral, que deve ser a compreensão acerca da Lei. Não se trata de abolir a Lei, mas de realizá-la de forma plena, lembrando que do outro lado desta lei está à pessoa humana concreta. Em outras palavras, Jesus não veio destruir a lei, mas acrescentar o que faltava, tendo em vista que o mais importante é o ser humano em si.
Além de reforçar a Lei em seu sentido pleno, Jesus ainda faz uma afirmação que, certamente, deixaram os seus discípulos preocupados: “quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus”. (Mt 5,19) Desobedecer e levar os outros a fazerem o mesmo. Quem assim o fizer, será tido como o menor no Reino de Deus. Tal afirmação nos faz também pensar sobre as nossas vidas e a forma como estamos praticando a nossa fé, de forma equivocada e, às vezes, levando outras pessoas a fazerem o mesmo. Fico daqui pensando em alguns dos nossos padres, freiras e bispos que, a exemplo dos fariseus do tempo de Jesus, não conseguem ter esta mesma interpretação libertadora da Lei. O texto do Evangelho de hoje omitiu o último versículo deste capitulo, quando Jesus foi categórico: “se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”. (Mt 5,20) Enquanto a lei humana é falha, a de Deus nunca!
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