Quinta feira da Quinta Semana do Tempo Comum. Meados de fevereiro, e o verão segue com as suas variações climatológicas. No dia de hoje, nosso amigo sol tirou mais um dia de folga. As nuvens espessas sobre o céu, não permitiram que este irmão acordasse de seu “sono madrugal”. Feliz está o Araguaia, cada dia mais captando a água que lhe chega. Está imponente! O amor infinito de Deus por nós, transformado em benesses, que cada dia a natureza se encarrega de nos brindar, mesmo e apesar das nossas travessuras. Diante deste cenário, impossível não recordar de uma das passagens do Evangelho Joanino: “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16)

Se tem algo que Deus não quer em hipótese alguma, é que as pessoas se percam, muito menos sente prazer em condenar quem quer que seja. Pelo contrário, Ele manifesta todo o seu amor através da pessoa de Jesus, no intuito de salvar e dar a vida a todos e todas. Todavia, desde o primeiro instante da encarnação do Verbo, a presença de Jesus se tornou incômoda, justamente por este anunciar a Boa Nova do Reino e denunciar as estruturas de morte que estavam por detrás do legalismo farisaico dos judeus. É por este motivo que Jesus provoca para que as pessoas tomem uma decisão, pois de um lado, estão aqueles que acreditam em Jesus e vivem o amor, continuando a palavra e a ação d’Ele, em favor da vida; de outro lado, estão os que não acreditam n’Ele e não vivem o amor, mas permanecem fechados em seus próprios interesses e egoísmo, que geram opressão e exploração, escondendo suas verdadeiras intenções.

Nesta quinta feira, continuamos com a leitura e a reflexão do sétimo capítulo do Evangelho de Marcos. Desta vez, Jesus não está na sinagoga diante dos fariseus, mas deslocando-se para a região de Tiro, Sidônia e Decápole, terras literalmente pagãs. Tiro é uma cidade estrangeira. Não pertence a Israel e não professa a fé no Deus de Israel. Uma cidade de pagãos, portanto. Fica a norte da Galileia, à beira mar da Galileia, na direção oposta à de Jerusalém. Quase sempre, é citada ao lado de Sidônia, cidade vizinha que fica ainda mais ao norte. Importante saber que, em Lucas, Jesus fez elogios a estas cidades, dizendo que se ali se tivessem realizado os sinais oferecidos a Corazim e Betsaida, rapidamente elas teriam se convertido (cf. Lc 10,13). Ou seja, está claro que aqueles que não quiserem aderir à Boa Notícia do Reino, ficarão fora da nova história.

Como vemos neste texto de hoje, Jesus está fazendo o caminho inverso, aproximando-se cada vez mais das regiões estrangeiras e pagãs. Ele vai a Sidônia e, passando pela Decápole, inicia o caminho de volta à Galileia. Toda esta região era constituída de estrangeiros. Também eles, são convidados a se sentarem-se à mesa do Reino como filhos e filhas de Deus. Para os fariseus e mestres da Lei, toda esta gente era doente e, consequentemente, impura, merecendo desta forma o desprezo deles. É neste contexto, portanto, que Jesus faz questão de realizar os seus milagres (sinais) e cura a filha de uma mulher cananeia, que o Evangelho de Marcos hoje nos traz. Ou seja, depois de ter curado muitos doentes e discutido com os fariseus em Genesaré, Jesus prossegue a sua viagem, levando adiante a mensagem da Boa Nova do Reino, aos estrangeiros, gentios e pagãos de uma região marginalizada pela classe politica e religiosa de Jerusalém.

Jesus continua a rebater, o legalismo hipócrita farisaico dos judeus, não apenas com palavras, mas, sobretudo, com ações concretas de libertação, dando atenção ao mundo e à cultura estrangeira grega. É importante salientar que o evangelista Marcos escreve o seu Evangelho para uma comunidade cristã grega. Seu Evangelho foi provavelmente um dos primeiros livros a serem escritos no Novo Testamento, provavelmente por volta dos anos 57-59 d. C. Fazendo um paralelo com o Evangelho de Mateus, cujos destinatários primeiros foram os seus irmãos judeus, tudo indica que o Evangelho de Marcos parece ter sido direcionado aos crentes romanos, particularmente os estrangeiros, gentios e pagãos.

A fé consistente de uma mulher pagã cananeia, chama a atenção de Jesus e o surpreende, de certa maneira: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair”. (Mc 7,28) Jesus, na sua relação de profunda intimidade e transparência com aquela mulher, deixa transparecer que a salvação trazida por Ele não é privilégio de um povo determinado, (principalmente para aqueles que se escondem atrás das paredes dos templos em intermináveis cultos de adoração), mas é para todos e todas que acreditam n’Ele e na sua missão, mesmo que sejam considerados como cães, isto é, estrangeiros, pagãos, ateus. Nesta compreensão de Jesus, não é mais a raça e o sangue que unem as pessoas a Deus, mas a fé em Jesus e no mundo novo e transformado que Ele faz surgir com a proposta do Reino de Deus, que já está no meio de nós. (Cf. Lc 17,20-25)