Sábado da Vigésima Semana do Tempo Comum. Neste penúltimo sábado do mês das vocações, celebramos a Festa da Vocação de São Bartolomeu, Apóstolo. Bartolomeu, também chamado de Natanael, era um pescador de Caná. Conhecia bem a região de Nazaré, situada apenas a 8 km de distância. Demonstrou desconfiança nos habitantes daquela região, sendo cético quando seu amigo Filipe lhe falou sobre Jesus. Ele foi uma das 12 colunas da Igreja primitiva. Alguém que foi chamado diretamente por Jesus e com Ele conviveu pessoalmente, sendo preparado para assumir a missão de dar continuidade à mesma missão do Nazareno. Tudo o que sabemos sobre a vida de Bartolomeu, vem dos textos dos Evangelhos, especialmente do Evangelho de São João, que narra a sua vocação de modo mais detalhado.
Aliás, no dia hoje a liturgia traz para a nossa reflexão o Evangelho de São João. Este evangelista entra no ciclo litúrgico A, B e C, somente nas Solenidades, como é o caso de hoje. O Evangelho de João é bem diferente dos outros três, chamados sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), que apresentam mais ou menos a mesma visão e têm muitos textos comuns. Como podemos ver, em João há poucos “milagres” que ele os chama de “sinais”. João não tem a preocupação de fazer um relato biográfico. Ele é mais teológico e contemplativo, numa linguagem carregada de símbolos. João se concentra na pessoa de Jesus, cujo centro de seu ministério público se dá mais em Jerusalém do que na Galileia, como os demais evangelhos.
O texto de João escolhido para hoje começa dizendo que os amigos de Natanael relatam a ele o encontro deles com Jesus: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e também os profetas: Jesus de Nazaré, o filho de José”. (Jo 1,45) Como Natanael/Bartolomeu era um cético contumaz, sua reação foi imediata: “De Nazaré pode sair coisa boa?” (Jo 1,46) Todavia, a reação de Jesus diante de Natanael que fora até Ele com os seus amigos, foi ainda mais surpreendente: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. (Jo 1,47) Jesus conhece o coração humano. Jesus conhece o coração daquele homem. Jesus conhece o nosso coração. O coração verdadeiro e sem fingimento deste discípulo recebe de Jesus admiração. Isto me fez lembrar de uma das frases ditas pelo cantor jamaicano Bob Marley (1945-1981): “Ideal seria que todas as pessoas soubessem amar o tanto que sabem fingir”.
Para o povo semita, o povo da Bíblia, o coração é considerado como o centro da personalidade da pessoa. Todas as ações da vida humana acontecem primeiro dentro do coração: o que o pensamos, o que sentimos e também realizamos, emanam do coração as decisões para as nossas atitudes. Segundo a tradição bíblica, o nosso “Ser” se constitui a partir do coração que temos em nós. Neste sentido, o Livro de Provérbios nos dá uma dica valiosa: “Acima de tudo, guarde o seu coração, porque dele brota a vida”. (Prov 4,23) Para a tradição judaica, não existe meio-termo: ou seguimos o caminho da sabedoria que vem do coração, que leva para a justiça e a vida, ou caímos na insensatez, que produz injustiça, a falsidade e a morte.
Jesus mostrou a Natanael que Ele o conhece. Jesus conhece profundamente o coração de cada um de nós. Ele penetra em nossa essência e, “teofanicamente”, faz com que nos enxerguemos a nós mesmos, fazendo parte do projeto salvador de Deus para a humanidade. O Ser divino de Jesus adentra a nossa realidade humana, trazendo-nos a transcendência de Deus, Pai e Mãe amorosos, que nos abraçam como filhos e filhas d’Ele que somos: “Coisas maiores que esta verás! Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”. (Jo 1, 50-51)
Jesus sempre reconhece aqueles e aquelas que o Pai coloca em seu caminho. Conosco não é diferente. Não somos nós que conhecemos a Deus, mas é Ele mesmo que nos conhece e vem ao nosso encontro, possibilitando-nos este encontro pessoal com Ele. Sobre este encontro pessoal de Deus conosco, o profeta Jeremias nos traz um texto belíssimo: “Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci; antes que você fosse dado à luz, eu o consagrei, para fazer de você profeta das nações”. (Jr 1,5) Como Natanael encontrou Jesus e começou a conviver com Ele, nós também, no decorrer da nossa caminhada de fé, vamos descobrindo que Jesus é o Mestre, o Messias, o Filho de Deus. Conhecer a Jesus e caminhar com Ele é experimentar na vida, o convívio com os irmãos e irmãs da caminhada. Ninguém conhece a Jesus e com Ele caminha nas estradas isoladas egoísticas do individualismo humano. Como diz o padre Zezinho em uma de suas canções: “No peito, eu levo uma cruz. No meu coração, o que disse Jesus”. E assim vamos nós.
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