FRANCISCO (CHICO) MACHADO. Escritor e missionário.

Sábado de um ventinho abençoado soprando sobre o Araguaia. Uma brisa matinal avivando sobre os nossos rostos. Aproveitei para rezar na companhia das enormes araras azuis voando em direção à Ilha e contemplar a Deus, com o sol, mais uma vez, cumprindo a missão: “Irmão sol com irmã luz trazendo o dia pela mão”. Não me canso de admirar o esplendor de cada manhã no Araguaia! Um divisor entre dois estados. Do lado de lá, a Ilha do Bananal, com toda a sua magnitude, fazendo nascer o sol, dourando as águas do rio e as praias, que estão sendo cobertas pelas águas benfazejas da chuva. A cada ano o mesmo rio mostra-nos uma configuração diferente. Neste ano, o cais foi estampado com a beleza das praias, para alegria dos são-felicenses.

A natureza é bela! Com tamanha beleza, poucos são aqueles que se fazem agradecidos a Deus, por nos presentear com este belo cartão postal. Talvez tenhamos acostumado com o rosto de Deus sendo emoldurado a cada manhã. Um cenário paradisíaco que o amanhecer nos proporciona. Agradecer a Deus é o mínimo que cada um de nós, que aqui estamos, deveríamos prestar ao Senhor do Universo. Ingratidão é o nome desta atitude. Aliás, ao longo da vida, perdemos a conta de quantas vezes fomos agraciados com as dádivas do Criador. Saber agradecer é um dom que aprendemos a cultivar. Gratidão que nos faz reconhecer as dádivas que a vida e a convivência humana vão nos proporcionando gradativamente.

Gratidão não é um palavrão! É mais do que um simples sentimento provindo do coração. É um estado de espírito, em função da gratuidade daqueles que sabem reconhecer por uma determinada ação ou benefício recebido. A nobreza da gratidão está em nós, quando somos agraciados por algo que gratuitamente recebemos. A gratidão se completa com outras palavras afins: amor, carinho, afeto, empatia, generosidade, fraternidade. Palavras cultivadas por um coração que vive em paz. Através deste gesto nobre do coração, as pessoas são capazes de retribuir e agradecer até mesmo pelo ar que respiramos como obra do Criador. Talvez tenha sido este um dos motivos que levou o dramaturgo e poeta castelhano Miguel de Cervantes (1547-1616) a afirmar que: “A ingratidão é filha da soberba.”

É do coração que partem as nossas decisões, as nossas atitudes. Segundo a tradição bíblica, as nossas decisões, os sentimentos e todo o nosso pensar advém do coração. Ele é o centro. De acordo com esta concepção, não é da nossa cabeça que parte o processo de decisão, mas do centro que é o coração. Isto é muito forte e decisivo, pois no nosso coração estão as nossas vontades, nossas atitudes, nossas intenções, pois ali é que está alojado a fonte de nossos pensamentos, ações e palavras. Desta forma, se não demonstro gratidão pelas “coisas” que recebo, significa que o meu coração não está apto às benevolências da vida. É como se estivéssemos vendo favores em tudo o que nos cerca.

O modelo de gratidão para o cristão é a pessoa de Jesus de Nazaré. Ele sabe ser extremamente grato ao Pai pelas suas atitudes em relação aos pequenos, pobres e marginalizados. Nos Evangelhos o vemos várias vezes demonstrando esta sua gratidão ao Pai. “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21) Aqueles que se julgam sábios, inteligentes e sabedores de tudo, jamais serão capazes de perceber em Jesus a presença libertadora de Deus e do Reino. Somente os pequenos os vulneráveis e empobrecidos conseguem penetrar o sentido mais profundo da atividade de Jesus e dar continuidade a ela.

Gratidão que se faz na concretude da humildade. Ser humildes, mas sem ser ingênuos. Este talvez seja o nosso maior desafio enquanto cristãos. Entretanto, não podemos confundir humildade com subserviência. Não é ato que a humildade é uma das virtudes cristãs, que consiste exatamente em reconhecer as nossas próprias limitações e fraquezas e agir de acordo com essa consciência. Reconhecer que não somos aquilo que achamos que somos, cheios de orgulho, soberba e prepotência nas nossas relações com as demais pessoas. No texto da liturgia de hoje, por exemplo, Jesus faz uma crítica contumaz ao conceito de honra, baseado no orgulho e ambição, que geram aparências de justiça, mas escondem as maiores contradições que, inclusive, provoca a marginalização social. Seguindo nesta mesma logica de Jesus vamos perceber que o fato de sermos humildes não significa sermos menos que alguém, mas de saber que não somos mais que ninguém.

 

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