Quarta feira da segunda semana do Advento.
Os preparativos para o Natal seguem como projeção para as nossas vidas. Não só os preparativos típicos de uma sociedade capitalista, que transforma as festas cristãs em objeto de angariar lucros e mais lucros. O Natal na perspectiva cristã é bem outro. É olhar para a realidade da periferia de Nazaré da Galileia, identificando as nossas periferias. O Menino Deus que lá nasceu, continua nascendo nas centenas de milhares de crianças pobres, negras nas periféricas geográficas e existenciais de nosso tempo. Marias e Josés continuam gerando vidas na pobreza extrema de uma sociedade, classista, excludente e desigual. Os presépios vivos que saltam aos nossos olhos indiferentes.
Natal é tempo de renovação. Renovar as nossas estruturas pessoais, comunitárias e sociais. Olhar para o Jesus Menino é olhar para as mazelas de nossa sociedade e não ficarmos indiferentes ao sofrimento humano, decorrente da situação de fome, desemprego, falta de moradia, atendimento adequado à saúde, falta de perspectiva de vida. Não há como celebrar o Natal sem nos posicionarmos diante deste caos que se transformou a luta pela sobrevivência das famílias brasileiras. Celebrar o Natal sem amor é o mesmo que virar as costas para o Projeto de Deus. Como diria a Madre Teresa de Calcutá (1910-1997): “A falta de amor é a maior de todas as pobrezas”.
Amor que sobrava em Jesus de Nazaré. Amor que vem de Deus, mas também do seio da Mãe que o amamentou. Amor que atrai as pessoas a si, como nos mostra a liturgia desta quarta feira: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. (Mt 11,28). Um convite feito por Jesus à todos aqueles e aquelas que estavam cansados de carregar os fardos colocados sobres os seus ombros. E no tempo de Jesus não eram poucos estes fardos. Em outra parte de seu evangelho Mateus até fala sobre esta realidade: “Os doutores da Lei e os fariseus amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo”. (Mt 23, 4) O saber transformado em poder para oprimir o povo.
“Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração”. (Mt 11, 29). Este Jesus manso e humilde de coração. O jeito “manso e humilde de Jesus é objeto de muita hermenêutica (interpretação) equivocada por parte de alguns membros de nossa Igreja. Ser manso não é o mesmo que ser covarde, impassível, medroso, tímido, fraco e indolente diante dos desafios da vida, como quem foge das situações difíceis. Ser manso requer atitude de quem não se deixa levar pela conivência e ficar em cima do muro num jeito indeciso diante da situação. Mesmo sendo manso e humilde, Jesus toma decisões que contrariavam frontalmente os interesses da classe dirigente de seu tempo.
Sendo um grupo conservador da época de Jesus, os fariseus esperavam um Messias que fosse mais de acordo com os seus interesses. Todavia, com sua palavra e ação, Jesus revela a vontade do Pai, que é a instauração do Reino. Os pequenos, os desfavorecidos e os pobres conseguem ver em Jesus um de seus aliados na superação de suas dificuldades. A classe dirigente não consegue absorver o sentido pleno dessa messianidade de Jesus, uma vez que Ele veio tirar a carga pesada que os sábios e inteligentes haviam criado para o povo. Jesus vem trazer o novo modo de viver na justiça e na misericórdia: doravante, os pobres serão evangelizados e partirão para evangelizar. Este é o nosso maior desafio como Igreja de Jesus: sermos evangelizados pelos pobres. De evangelizados, eles nos evangelizam como bem disse o Para Francisco: “Os pobres têm muito para nos ensinar. Além de participar do ‘sensus fidei’, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja”.
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra”. (Mt 5,5) Os mansos são os que buscam a justiça do Reino. Eles que estão sufocados no seu anseio pela libertação dos fardos que lhes são colocados também por uma Igreja que prima pelos valores hierárquicos institucionais conservadores. Como aquela mãe de que fala o Papa Francisco. Ela procura o padre para batizar o seu filho e recebe um não categórico deste pelo fato dela ser uma mãe solteira. O pontífice chama este padre de “fiscal do sacramento”. No dizer dele, tal padre, com esta sua atitude, acaba de instituir o oitavo mandamento, a “alfândega pastoral”. Ser manso na concepção cristã não significa ser desprovido de força, mas a sua força vem pelo dom de Deus, através da ação do Espírito Santo em si. Como nos diria Pedro, ser manso e humilde como Jesus fazendo das “causas da Igreja as grandes causas da humanidade: justiça, paz, diálogo, ecologia, reformas agrária e urbana, saúde, educação.”
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