Terceiro Domingo do Tempo Comum. Domingo da Palavra de Deus. O Papa Francisco estabeleceu, em 30 de setembro de 2019, que “o III Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus”. Este é, portanto, o VI Domingo da Palavra de Deus. O lema desta edição é um versículo do Salmo 119: “Espero na tua Palavra”. A Palavra de Deus que deve ser a fonte principal para a nossa vivência concreta da fé. Nossa inspiração maior é o Evangelho, que nos chama à conversão, para que tenhamos uma fé viva e encarnada no chão da nossa história. Bem o disse o presbítero e doutor da Igreja, um dos mais conhecedores da Bíblia: “Quando rezamos falamos com Deus, quando lemos a Sagrada Escritura é Deus que nos fala” (São Jerônimo – 347-420)

Neste Terceiro Domingo do Tempo Comum, voltamos a ter como referência de leitura para a nossa reflexão, o Evangelho de São Lucas, como é comum acontecer no ano C deste período litúrgico. Lucas não fez parte do grupo dos primeiros discípulos e nem conviveu pessoalmente com Jesus. Ele faz parte da segunda ou terceira geração dos discípulos, como um grande colaborador de Paulo. Médico de ofício (cf. Cl 4,14) escreve o seu Evangelho por volta dos anos 80 da era cristã, com o objetivo precípuo de traçar/descrever o caminho de Jesus como um caminho que se realiza na história. Encarnado na realidade humana, O Filho de Deus se faz homem em Jesus de Nazaré, trazendo para dentro da história humana, o projeto de salvação que Deus tinha revelado, conforme a promessa feita no Antigo Testamento.

O texto do Evangelho que a liturgia nos reserva para a nossa reflexão hoje, se divide em duas partes: o prólogo (Lc 1,1-4), em que Lucas, como bom escritor grego, nos apresenta as características fundantes de sua obra; e num segundo momento nos coloca no contexto de Jesus na sinagoga de Nazaré com o seu “programa messiânico” (Lc 4,14-21). Esta segunda parte é uma das passagens mais interessantes do Novo Testamento, onde fica explícito, qual é a verdadeira missão de Jesus, que já havia sido definida desde o Antigo Testamento, com a profecia de Isaías, que começaram em torno do ano 740 a.C., sob o reinado de Ozias: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu. Ele me enviou para anunciar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para proclamar o ano da graça do Senhor, o dia da vingança do nosso Deus, e para consolar todos os aflitos”. (Is 61,1-2)

Estando na sinagoga, em dia de sábado, ambos considerados como sagrados para os judeus, Jesus se põe a ensinar e, como sempre, com a autoridade que lhe é peculiar. O texto diz que a fama de Jesus se espalhava e que Ele era muito elogiado pelos ensinamentos que transmitia. Como era de praxe fazer a leitura em dia de sábado, Jesus lê o texto do profeta Isaías, que Lucas faz questão de trazer para dentro de seu Evangelho, mostrando assim o programa de Jesus de Nazaré. Após a leitura, o Mestre dá o veredito: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. (Lc 4,21)

Conforme o evangelista Lucas, o caminho de Jesus inicia o processo de libertação na história, e por isso realiza uma nova história: a história dos pobres e oprimidos que são libertos para usufruírem a vida dentro de novas relações de irmandade entre as pessoas. Este programa da ação libertadora de Jesus torna-se conhecido de todos na sinagoga de Nazaré. Por essa razão, este novo caminho, que precisa acontecer na história humana, provoca confronto, choque com aqueles que julgam a história como já realizada e querem manter o sistema estrutural de opressão e marginalização dos pobres. Este programa de Jesus coloca em cheque o sistema vigente, mostrando que a história tal como é contada pelos ricos e poderosos, que exploram e oprimem o povo, reduzindo-o à miséria e fraqueza, não está em sintonia com os planos de Deus para a humanidade.

O “programa” de Jesus força a revisão dessa história, e começa a contar a história a ser construída pelos pobres. Colocada no início da vida pública de Jesus, esta passagem constitui, conforme Lucas, o programa de toda a atividade de Jesus. Ele anuncia que o Messias irá realizar a missão libertadora dos pobres e oprimidos. Ao aplicar a si mesmo esta passagem de hoje, Jesus assume-a no hoje concreto em que se encontra. Este é o Jesus que precisamos conhecer para segui-lo e segui-lo para conhecê-lo. Não ficar olhando para o céu, esperando que se manifeste de lá, mas encarnado em nossa realidade humana, se faz um de nós, um conosco nas nossas lutas. “Ele está no meio de nos!” É gente como a gente! Companheiro de todas as horas, mas para tal, precisamos estar unidos em a igualdade, fraternidade e comunhão: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles”. (Mt 18,20)