Sábado da sexta semana do tempo comum. Mais uma manhã chuvosa aqui pelas bandas do Araguaia. Aproveitei para rezar na companhia de meus tímidos inquilinos de sempre que, mesmo com a chuva, não se furtaram de louvar o Criador. Cantando e encantando com suas canções melodiosas. Nada como iniciar o dia agradecendo a Deus pelo dom da vida, salmodiando com os outros seres, em sintonia de integração com a Mãe natureza. A sinodalidade se fazendo gesto concreto na Casa Comum.
Apesar de não ser o dia específico da festa (06 de agosto), hoje a liturgia nos propõe como tema de reflexão bíblica o Evangelho da Transfiguração de Jesus (Mc 9,2-13). Teofanicamente, Jesus acompanhado de Pedro, Tiago e João, vão a uma montanha, que a tradição da Igreja identifica como sendo o Monte Tabor, promovendo ali um encontro pra lá de inusitado: Jesus, Moisés de Elias. Ou seja, um encontro entre os dignos representantes da Lei e dos Profetas. Antigo e Novo Testamento se fundindo num encontro “virtual” de gerações, mostrando a face de um Deus presente no meio dos seus. Naquele contexto, Jesus radiante,ente se transfigura diante de seus discípulos que nada entenderam, mas se sentiram tocados pela ação divina.
No dizer do Papa João Paulo II, “O rosto de Cristo é um rosto de luz que rasga a obscuridade da morte: anúncio e penhor da nossa glória, porque é o rosto do Crucificado Ressuscitado, o único Redentor da humanidade, que continua a resplandecer sobre nós. O rosto de Jesus se fazendo em nós e por nós. Um momento único, unindo na pessoa de Jesus toda a tradição bíblica, trazendo presente na pessoa do Verbo encarnado, tudo aquilo que havia sido anunciado como promessa do próprio Deus para a história da humanidade. Momento especial, provocando no discipulado de Jesus a tentação de por ali permanecer: “Mestre, é bom ficarmos aqui. (Mc 9,5)
Pedro não sabia o que estava dizendo. Para ele, o ficar ali era muito mais prazeroso do
que descer a montanha e deparar com tudo aquilo que dali decorria, em meio ao conflito. Evidente que o permanecer na nossa zona de conforto, é mais tranquilo e cômodo. Esta é, na realidade, a saída que alguns de nós aceita viver como proposta de fé. Passividade que as levam a estar em paz com as suas consciências, na sua relação com Deus e com as demais pessoas. Alguns chegam até a afirmar: eu não faço mal a ninguém! Alguém poderia lhes perguntar: “e bem, fazem?
Não somente de transfiguração vivemos nós. Ela faz parte do contexto, mas viver a fé é fazer a experiência mais profunda da cruz que possui sempre dois vértices: um vertical e outro horizontal. Um que nos liga diretamente a Deus; e outro que nos leva ao encontro com o outro, onde quer que ele esteja. Não importa “ficar” cristão, mas “ser” cristão. O que mais conta não é “ficar” na Igreja, mas “ser” igreja, como deseja o Papa Francisco, com a sua proposta de sinodalidade da vivência de fé. Ser comunhão e ser participação de uma fé engajada no processo de transformação da sociedade. Não a de ficar como Pedro, contemplando a face de um Jesus transfigurado, mas a de contemplar a face desfigurada dos caídos a beira da estrada, regatando-lhes a sua dignidade de filhos e filhas de Deus, segundo os anseios de Deus.
Viver uma fé sinodal na experiência do ser enquanto ser não apenas na perspectiva da metafísica aristotélica, mas na magnitude do ser humano total, que se vê presente na pessoa de Jesus de Nazaré. Experiência que posteriormente, Paulo assim a definiu: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim”. (Gl 2,20) Na medida em que nos aproximamos de Jesus, nós também fazemos a experiência de seus discípulos de contemplá-lo face a face e sentir sua morada em nós. Só um ato de Deus pode realizar isso em nós que, na sua gratuidade se dá por inteiro, numa relação de amorosidade de quem muito ama.
Quem ama cuida! Quem muito ama se cuida e cuida das demais pessoas! O transfigurar de Jesus nos mostra o caminho em direção à planície dos mais abandonados. Ser cristão seguidor de Jesus é colocar-se nesta mesma dinâmica de descer do posto mais elevado para ser e estar em meio ao conflito que se estabelece no chão da vida. O mistério de Deus revelado no rosto transfigurado se desvela nas ações de quem se coloca na mesma caminhada com Jesus, compondo a história de salvação na pessoa dos mais necessitados. A sinodalidade de uma fé encarnada e comprometida, que nos faz vislumbrar aquilo que Santa Teresa d’Ávila sempre repetia: “Quem ama, faz sempre comunidade; não fica sozinho nunca”.
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