Segunda feira da segunda semana do tempo comum.
A semana só está começando. Geralmente entramos na segundona em ritmo de marcha lenta. Vamos pegando no tranco, como se costuma dizer. Vida que segue e vamo-nos adequando a ela do melhor modo possível. Viver é o que interessa e viver bem, intensamente.
Como dizia o nosso professor de latim Zé Braga, no seminário menor: “Tempora mutantur”. Ou seja, os tempos mudam e com eles nós. Um adágio latino para nos colocar em sintonia com as mudanças provocadas pela passagem do tempo. O tempo não pára e nem nós!
Iniciamos a semana com uma notícia pra lá de alvissareira. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fez um balanço do quantitativo de alimentos que foram doados durante a pandemia. Ultrapassou a marca de 6 mil toneladas de alimentos distribuídos, beneficiando cerca de 250 mil pessoas, em 24 estados da Federação. Um gesto solidário, alcançando pessoas e famílias inteiras em situação de fome e insegurança alimentar. Somente durante a campanha “Natal Sem Fome”, foram doadas mais de mil toneladas de alimentos. Este é o MST, o maior Movimento Social do mundo. Desafio alguém apresentar gestos solidários semelhantes, advindos do setor do “Agro veneno”.
A liturgia do dia de hoje nos faz repensar a nossa fé, à luz do texto apresentado pelo evangelista Marcos (Mc 2,18-22). Uma discussão acalorada entre o fazer e o não fazer o jejum, conforme era prescrita na tradição religiosa judaica. O jejum era uma manifestação de luto e tristeza. Segundo esta tradição, o jejum era obrigatório uma vez por ano no “Yom Kipur” (Dia do Perdão). Uma das datas mais importantes do judaísmo. É o dia de arrependimento para todos, para o indivíduo e para a comunidade. É o Dia da Expiação, sobre o qual declara a Torá: “No décimo dia do sétimo mês afligirás tua alma e não trabalharás, pois neste dia, a expiação será feita para te purificar”.
Desde o inicio da vida pública de Jesus, Ele terá sérios embates com as lideranças religiosas da Palestina. Os fariseus, os doutores da lei e os anciãos do povo eram exímios cumpridores da Lei e na observância dos preceitos religiosos. Tais prescrições não os levavam ao mandamento principal que é a prática do amor. Seguiam a tradição ao pé da letra, sem fazer uso da misericórdia e da compaixão. Para desespero destes, Jesus subverte a ordem vigente, ao declarar alto e bom som: “Os convidados de um casamento poderiam, por acaso, fazer jejum, enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar”. (Mc 2,19).
Lembrando que naquele contexto sócio-histórico, o jejum caracterizava-se como o tempo de espera. Espera da vinda do Messias anunciado. Entretanto, esse tempo acabou, pois o Messias já estava no meio deles. Mais uma vez faz-se menção a festa do casamento, como a nova e alegre relação entre Deus e as pessoas. A atividade messiânica de Jesus mostra que o amor de Deus vem para salvar a pessoa em seu contexto concreto e não para manter as estruturas que as exploram. Em outras palavras, Jesus não veio para reformar nada, muito menos a lei, mas com a exigência maior de uma profunda mudança radical das pessoas e das estruturas.
Uma oportunidade singular para repensar a nossa fé, sobretudo aqueles que se apegam às tradições, numa observância cega destas. Somos desafiados a manter a nossa fé com raízes profundas na mística, na tradição profética e nos passos do caminhar com Jesus de Nazaré. Aquilo que alerta o Papa Francisco quando diz: “os católicos tenham cuidado para não ficarem mais preocupados com a formalidade externa que com o coração da fé, pois é do interior do coração que nascem as coisas más”. “Jesus não quer exterioridade, quer uma fé que chegue ao coração, conclui o pontífice.
Uma fé desenraizada e constituída de aparência, como bem demonstra os “tradicionalistas”. Raízes que não estão fincadas no movimento messiânico de Jesus mas, estão calcadas na observância de normas, ritos, preceitos dogmáticos distanciados da prática do amor, da justiça e da solidariedade. Quantos de nós temos a nossa vida religiosa alicerçada na prática da observância dos preceitos morais e muito distantes de um envolvimento testemunhal pascal e com as causas do Reino, que precisa ser construído no aqui e agora de nossa história? Fujamos desta vida religiosa feita de aparências. Os mais alucinados fanáticos tradicionalistas estão sempre querendo “agradar a Deus” com as suas devoções externas, mas Jesus não se contenta com este culto evasivo. Ele não quer exterioridade, mas quer uma fé enraizada no coração e o converta para as causas do Reino. As mesmas causas de Jesus.
Comentários