Sexta feira da Quinta Semana do Tempo Comum. Fechando a segunda semana com o mês de fevereiro sextando, e este reles rabiscador dentro do busão, rumo à Cuiabá. Apenas 1.200 quilômetros nos separam da capital deste estado. Também, quem mandou vir morar à beira do Araguaia, na divisa com o Tocantins. Pelo menos, sou um ser privilegiado. Moro em Mato Grosso e vejo o sol nascer no Tocantins, de dentro da Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo.
Nosso bispo Pedro também não se deslocava de avião, mas “pegava” o mesmo meio de transporte e locomoção do povão. Nada de carro próprio, com motorista particular. Conta-se que certa feita alguém, sorrateiramente, lhe perguntou: “como o senhor consegue dormir com o ônibus chacoalhando tanto deste jeito?” Padre Pedro, como era comumente conhecido e chamado por todos, respondeu simplesmente: “talvez seja por causa da consciência tranquila.”
Consciência esta que, pelo Sacramento do Batismo, nos convoca a seguir os passos de Jesus de Nazaré, fazendo, com Ele adesão ao Projeto de Deus, revelado por Ele. Para tanto, exige a nossa conversão diuturnamente. Cada dia, deve ser um passo dado nesta direção e, a nossa resposta para aquele dia, necessariamente não servirá para o dia que virá. Conversão que começa pelas nossas atitudes, condutas e pensamentos, mas que deverá atingir o âmago do nosso coração. Como diria o filósofo francês, Blaise Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.
São Cristóvão é considerado o protetor dos motoristas, mas também São Pedro, fez questão de nos acompanhar ao longo desta maratona, já que a chuva se fez constante, dificultando, por vezes, a visão do nosso “piloto”. Nosso campo visual é tomado por um triste cenário. A região amazônica aqui do Mato Grosso se transformou num imenso canteiro de soja. O que ainda salva o visual, são os territórios indígenas, já que são as poucas áreas preservadas com a vegetação nativa. De saber que eles são ainda denominados pejorativamente de “selvagens”. Entretanto, não é difícil saber quem é mais selvagem.
Como a gente é conhecido, difícil fazer estas viagens e não encontrar pessoas desejosas de querer contigo conversar. Alguns mais longevos de convivência, querendo saber como o padre Chico está, principalmente depois da passagem do irmão AVC. Entre um cochilo e outro, fui driblando as conversas, me fazendo um tripulante orante, diante das palavras de Macos relatando a atividade messiânica de Jesus na região da Decápole. Desta vez, o Nazareno curando um surdo mudo.
No mar da Galiléia, depois de atravessar a região da Decápole, Jesus, com sua ação transformadora, permite que um surdo mudo volte a viver com toda a sua intimidade e potencialidade: “”‘Efatá!’, que quer dizer: ‘Abre-te!’ Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade”. (Mc 7, 34-35) Ainda pediu a todos que não divulgassem aquele fato acontecido, até porque, não era intenção dele ser reconhecido apenas como um simples milagreiro assistencialista, mas como aquele que veio trazer a transformação estrutural, promovendo a vida plena para todos.
Ao realizar tais sinais, Jesus quer mostrar para os líderes religiosos que a salvação se dá de forma integral. Com a sua missão, Ele inicia a nova criação (Gn 1,31). Aquele pobre homem surdo mudo, estava perdido na multidão, no meio dos conflitos e dissabores da vida. Naquele contexto, ser desprovido da fala e da escuta, era um “castigo” terrível para pessoa. É por este motivo que Jesus abre os ouvidos e a boca das pessoas, para que elas sejam capazes de ouvir e falar, isto é, discernir a realidade e dizer a palavra que a transforma.
O texto de hoje é extremamente simbólico para todos nós. Também nós, mesmo que não tenhamos a mudez e surdez físicas, em meio a tantos rumores, contradições, tormentos, dissabores, notícias falsas, calúnias, perdemos a audição e a escuta. Isto quando não as perdemos, motivadas pela nossa capacidade de esconder-nos por detrás da nossa indiferença e comodismo. Que Jesus abra também nossos olhos, ouvidos e fala, já que Ele, aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”. (Mc 7,37)
Comentários