Terça feira da Quinta Semana da Quaresma. Neste vigésimo dia do Outono, vivemos ainda sob a forte influência do verão que se foi, mas deixou os seus rastros. Nada de temperaturas mais amenas, como é característico desta estação. Pelo contrário, temos vivido dias de intenso calor, como foi no dia de ontem. A sorte foi que São Pedro interferiu, e Deus fez amanhecer um dia mais fresco e nublado, com a possibilidade de cair uma tempestade, como tem sido as últimas chuvas por aqui. Ainda bem que no lugar de um temporal, a “garoa paulistana” predominou. Apesar de ter levantado muito cedo, fui demovido da ideia de rezar na companhia do profeta do Araguaia, em seu túmulo, a beira do Araguaia, como sempre faço, pelo menos uma vez por semana. Estar ali rezando não somente fortalece a nossa esperança na luta, como também saímos embriagados com a mística e a espiritualidade revolucionárias de Pedro.

Por falar em espiritualidade, Pedro tinha muito claro para si a compreensão da espiritualidade encarnada na realidade sofrida do povo aqui do “Vale dos Esquecidos”. Dizia ele: “eu sou a minha espiritualidade, eu não tenho espiritualidade. Sou a espiritualidade. Porque minha espiritualidade é toda minha vida: o que eu sou, o que eu faço, o que eu suporto, o que eu conquisto, o que eu anseio, a minha esperança”. Tal compreensão nos ajuda a situar a nossa experiência de fé no chão batido da história. Não se trata de uma espiritualidade abstrata, ou de um devocionismo apenas de práticas de rituais adorativos, no espaço dos templos. Se a nossa espiritualidade não nos coloca frente a frente com a realidade de sofrimento dos pobres e marginalizados, corremos o sério risco de não fazermos parte do grupo de Jesus, e estamos bem próximos dos fariseus de ontem e de hoje. A espiritualidade que não passa pela Cruz e pelos “calvários da história”, não pode ser uma espiritualidade libertadora e nem a espiritualidade de Jesus de Nazaré, o Cristo da fé.

Conversão à “Ecologia Integral”, eis o nosso grande desafio. Rezei nesta manhã na companhia das centenas de visitantes que passam regularmente pelo meu quintal a cada manhã. Tenho buscado a minha conversão ecológica há muitos anos. Desde que passei a conviver mais diretamente com os Povos Originários, este tem sido o meu exercício diário. E já se vão 33 anos de um aprendizado que me submeto diuturnamente. Sou um cidadão do mato! “Bicho do mato”, como dizem alguns de meus amigos. A minha convivência ecológica começa em meu quintal, cuidando de todos os seres vivos que passam por aqui. Talvez por isso, eles já não se assustam e nem fogem da minha pessoa. Semana passada foi a vez da onça pintada, que ficou me observando de um dos galhos da árvore em que se alojara. As frutas que cultivo servem de alimento também para cada um destes pequenos seres, obra do Criador. Sinto que estou fazendo a minha parte.

Jesus, com a sua espiritualidade libertadora, era também um grande servidor das causas da Mãe Natureza e dos empobrecidos. Sua espiritualidade era a sua vida. Vivia o que falava e falava a partir daquilo que Ele vivia. Coerência e fidelidade andavam de mãos dadas, em sintonia de perfeição com o Pai. Onisciência onipresente no humano Jesus, repleto da divindade maior de Deus. O humano se fundindo no divino, se tornando carne na nossa carne. Ciente de seu Ser divino, Jesus define sua condição de Messias, apresentando-se como o Filho de Deus. As provas de seu messianismo não são teorias abstratas, mas fatos concretos. Ou seja, suas ações comprovam que é Deus mesmo quem age nele. É bem esta condição que Jesus está tentando convencer os inconvertíveis fariseus no texto que a liturgia nos preparou para o dia de hoje.

“Eu parto e vós me procurareis, mas morrereis no vosso pecado. Para onde eu vou, vós não podeis ir”. (Jo 8,21) Esta frase intrigante, deixou os fariseus ainda mais revoltados e sem entender coisa alguma acerca da origem e do paradeiro de Jesus. Enquanto Ele falava da sua relação intrínseca de amorosidade com o Pai, os fariseus estavam presos ao seu racionalismo, vendo Jesus apenas a partir da ótica humana. Apesar de serem exímias pessoas estudiosas da Torá e da tradição judaica, eles insistiam em recusar a origem divina de Jesus, posto que, tal reconhecimento, colocaria em cheque a prática religiosa distorcida deles, visto que aquela “religião” não era de Deus. Aliás, o que salva não é a religião em si, mas a vivência concreta e coerente da fé no seguimento de Jesus de Nazaré.

“Os judeus comentavam: Por acaso, vai-se matar? Pois ele diz: Para onde eu vou, vós não podeis ir?” (Jo 8,22) Enquanto Jesus estava falando sob a perspectiva do olhar do “alto”, os judeus estavam presos à sua compreensão rasa e mesquinha da fé. Diante do Rei-Messias, aquelas lideranças religiosas insistiam em permanecer no seu pecado que leva à morte, fechados neste mundo de baixo, isto é, dentro de uma ordem sócio-política-religiosa injusta, divisível e desigual. Para eles, o mais importante não era o plano de Deus de libertar e salvar os pequenos e marginalizados, reconhecendo em Jesus a mesma presença atuante do Deus do êxodo: “Eu Sou aquele que Sou!” (Ex 3,14), Deus em Jesus liberta o povo da escravidão e o conduz para uma vida nova, desejada pelo Criador. Em Jesus, Deus está presente, cumprindo a promessa feita, de vir conosco morar. Mas, vai dizer isto para os fariseus de outrora e de agora!