Quarta feira da Quarta Semana da Quaresma.
Mais da metade do percurso já fizemos em direção à Páscoa, a Festa da Vida Nova. As utopias do Reino se desenhando no horizonte de nosso esperançar. Deus fazendo acontecer na nossa história a divinização do Ser Humano na pessoa do Verbo encarnado se fazendo gente como a gente. Um Deus que não se encontra num infinito distante de nós, mas que se faz Deus Conosco em nossa vida peregrina a caminho de nossas realizações. O amigo que estende a mão afetuosa e oferece o colo na hora que mais necessitamos. Deus da amorosidade na gratuidade generosa.
No dia de hoje a Teologia da Libertação nos traz a memória viva do centenário do nascimento do Padre José Comblin (1923-2011). Sacerdote e missionário, nascido em Bruxelas, na Bélgica, naturalizou-se brasileiro, trabalhando por vários anos aqui no Brasil. Uma de suas experiências mais edificantes foi junto com Dom Hélder Câmara, a partir de 1969, acompanhando os seminaristas do Instituto de Teologia do Recife inseridos em comunidades populares no estado de Pernambuco e da Paraíba, usando a metodologia utilizada para os seminaristas adaptada ao ambiente social, lançando as bases daquela que ficou conhecida como “Teologia da Enxada”. Padre José, presente!
Comblin teve mais de 50 livros publicados, traduzidos em vários idiomas, sempre com o enfoque na Teologia da Libertação. Juntamente com Dom Leonidas Proaño, bispo de Riobamba, Equador, um dos principais articuladores da opção preferencial pelos pobres, assumida pela Igreja Católica latino-americana nas conferências de Medellín (1968) e Puebla (1979). Com suas reflexões pertinentes, a Teologia da Libertação foi se consolidando e ganhando corpo na vida de vários padres e bispos brasileiros como Pedro que dizia: “Queremos uma libertação integral, a libertação da ignorância, a libertação do medo, a libertação do egoísmo e do pecado, e também a libertação do pecado e das opressões econômicas e sociais que degradam a dignidade da pessoa humana”.
Nos meus bons tempos de estudos de Teologia (1985-1988) no ITESP, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, “devorava” os livros deste grande teólogo. Tive também o privilégio e a felicidade de ouvi-lo em várias palestras. Um de seus livros que recomendo e que cabe bem para os tempos de hoje é: “Viver na Esperança”, uma publicação de 2014. Ali podemos perceber que a esperança cristã está fundada no anúncio do Reino de Deus por Jesus, sendo que a sua própria presença entre nós demonstra isso. Uma leitura salutar para compreender o esperançar do Reino se fazendo no meio de nós.
Jesus é o cara! Esse Filho do Pai é demais! A liturgia de hoje nos traz a continuidade deste Jesus, colhendo ainda os frutos da sua “transgressão da Lei do sábado” na festa dos judeus. Pegou mal para Ele, libertar aquele pobre homem que há 38 anos tentava ser curado num simples mergulho na piscina Betesda, nome hebraico que quer dizer “casa de Misericórdia”. As lideranças religiosas não o perdoaram por ter realizado este feito em plena luz do sábado. Para os judeus, o seu raciocínio era contrário ao do evangelista Marcos que dizia: “O sábado foi criado por causa do ser humano, e não o ser humano por causa do sábado”. (Mc 2,27)
Tal Pai, tal Filho: “Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho” (Jo 5,17) O Pai e o Filho trabalham em harmonia e inseparáveis. Deus não parou de atuar em nós aos nos criar. O Filho em plena sintonia com o Pai, dando continuidade às ações do Pai em nós. Tudo isso porque o centro da obra de Deus é a pessoa humana. Ter devoção a Deus e cultuá-lo é fazer o bem às pessoas. Fazer o bem sem olhar a quem. Jesus fez o certo, uma vez que, nestas circunstâncias, não se trata de estreitar ou alargar a lei do sábado, mas de dar sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas.
O cara extrapolou todos os limites de tolerância dos judeus. Não somente violou a “Lei Sagrada” do sábado como se igualou a Deus, chamando-o de Pai: “os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque, além de violar o sábado, chamava Deus o seu Pai, fazendo-se, assim, igual a Deus”. (Jo 5,18). Onde já se viu, esse “filho da mãe”, filho do carpinteiro “Seu Zé” e “Dona Maria”, da periferia de Nazaré, se achando o tal, ao ponto de se igualar a Deus. O que os judeus não entenderam e muitos dos nossos de hoje também não, é que para o Pai e para Jesus, o mais importante é a vida e a liberdade. Elas estão acima até mesmo das leis, preceitos e normas religiosas e da opinião das autoridades religiosas.
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