Espiritualidade martirial, por Chico Machado.

Segunda feira da sexta semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. É Missionário e escritor.

Vencemos a primeira parte da batalha do mês de fevereiro.
A primeira quinzena já se foi. Seguimos na nossa rotina na busca do esperançamento de viver dias melhores. De esperança em esperança, vamos caminhando. Olhar para frente e de cabeça erguida, mirando o horizonte que se descortina à nossa frente. Como costumava dizer nosso bispo Pedro, “não podemos permitir que nos roube a nossa esperança”. Esperançar o sonho acordado da utopia em forma de teimosia, com os pés na estrada com Jesus, o Cristo ressuscitado que se faz conosco nesta empreitada.

Somos ou queremos ser parte no discipulado de Jesus. Nossa espiritualidade é toda ela militante pelas causas do Homem de Nazaré, que se fez pequeno com os pequenos, assumindo até as últimas consequências. Uma espiritualidade martirial, como se caracterizou o berço do cristianismo, que não foi forjado entre as paredes do palácio, com o protagonismo dos poderosos, mas com o sangue martirial derramado por aqueles e aquelas que não negaram fogo, e deram suas vidas, a exemplo da “Testemunha Fiel”. Espiritualidade provada no fogo dos desafios da caminhada de fé, sem medo de ser feliz com os empobrecidos, razão de ser do projeto de Deus revelado pelo Filho.

O cristão não pode ser um ser de passividade. Quando muito pacífico, de uma paz inquieta. A passividade jamais poderá ser a razão maior de nosso existir como pessoas de fé, seguidoras de Jesus de Nazaré. Quanto a isso, Jesus até nos alertara: “Seja quente ou seja frio. Não seja morno, senão vou te vomitar da minha boca”. (Apc 3,16). Não ser um cristão de fachada ou do faz de conta, mas ser um com Jesus nesta missão de fazer acontecer o Reino entre nós no aqui e agora de nossa história. Manter uma fé militante que se faz na jornada caminhante, feita de justiça, igualdade, fraternidade, na plena amorosidade de quem se dá por inteiro. Estamos cansados de cristãos que vão a igreja “assistir missa”. Como se aquilo ali fosse uma encenação, um espetáculo triunfal, mas que não leva ao compromisso de transformação com a vida plena para todos.

Espiritualidade como mística revolucionaria das causas dos pequenos, assim como o fez Jesus durante toda a sua vida pública, começando pela periferia do submundo dos pobres, dos pagãos, dos estrangeiros, dos doentes, das mulheres, das crianças. Sentando-se inclusive à mesa com esta “gentaliha” e deixando-se contaminar pela impureza e pobreza que delas provinha. Tal situação foi a causa maior de indignação dos poderosos: escribas, fariseus, doutores da Lei, sumos sacerdotes. Estes que no texto do Evangelho de hoje (Mc 8,11-13) procuram Jesus, para com Ele discutir, exigindo que lhes mostrassem um “sinal do céu”. Sinal este que lhes provassem que Jesus era, de fato, o Messias enviado por Deus.

A contragosto deles, Jesus não lhes dá nenhum sinal aparente de quem Ele era. Ele não precisa provar nada para ninguém, ainda mais para aquela casta de pessoas, inflada de prepotência, soberba e auto-suficiência. Não precisava dizer que Ele era o Messias que veio de Deus e que realizava a vontade de Deus. Quem exige sinais, dá mostras de que não tem fé. Além do mais, só é capaz de reconhecer Jesus como a presença de Deus no meio de nós, quem é guiado pelas coordenadas do coração. Não é a razão que nos faz ver Jesus como Verbo Encarnado, mas a força que brota do coração de quem verdadeiramente ama. Jesus não é um ser triunfalista, que provoca admiração, mas o servo de Deus que se faz no meio dos simples, dos humildes e daqueles que fazem a sua adesão e alimentam a sua fé na Palavra de Deus.

Jesus provoca em nós uma fé militante. Militância na ação revolucionária de resistência transformadora. Militância que se faz como o fermento na massa, multiplicando-a no formato das nossas ações cotidianas. Militar como espiritualidade libertadora que sente em si a presença de Deus, através de seu Verbo encarnado. Se Deus nos plasmou no seio do Cosmos, como a sua imagem e semelhança (Gn 1,26-28), Jesus, por sua vez, plantou em nossos corações as sementes do Reino. Estas precisam ser regadas, cuidadas e acompanhadas para que germinem e possam frutificar, gerando vida. Vida que se faz vida nas outras vidas, substituindo as situações de morte. Militar pelas mesmas causas de Jesus, como exigência suprema de fazer a vontade de Deus em cada gesto partilhado. Militar aqui visto como verbo e não como substantivo. Sem jamais nos esquecermos daquilo que foi dito por Santo Agostinho: “Não somos nós que transformamos Jesus Cristo em nós, como fazemos com os outros alimentos que tomamos, mas é Jesus Cristo que nos transforma n’Ele. Jesus com sua fé militante se fazendo militante pela nossa fé, quiçá através de uma espiritualidade martirial.

Pedro Dias

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