Sexta feira da terceira semana da Páscoa.
E não é que sextou pela vez primeira neste quinto mês do ano. Para a Igreja Católica, maio é o mês mariano. Oportunidade para que todos os seguidores de Jesus possam fazer uma reflexão mais aprofundada sobre a vida e a participação de Maria no projeto salvífico de Deus para a humanidade. Maria foi aquela que acreditou e, através de seu Sim, se entregou nas mãos de Deus, com participação decisiva na vida do homem Jesus de Nazaré. Pena que grande parte dos católicos ainda vêem esta grande mulher como um ser submisso, subalterno, deixando de lado todo o processo de ruptura corajosa que ela realizou no enfrentamento da sociedade machista e patriarcal misógina de sua época.
Estamos chegando ao final da primeira semana de maio. No dia de hoje se comemora o Dia da Coragem. A coragem é tida como uma das virtudes do ser humano. Faz sentido, pois viver nestes dias atuais, em que os valores foram invertidos e dilapidados por uma gente sem noção, é necessário revestir-nos de muita coragem para fazer o contraponto no enfrentamento, retomando os valores que nos dignificam. E ter coragem não significa deixar levar pela imprudência, mas deixar florescer em nós o espírito da ousadia, da resistência e da teimosia. A coragem nos faz esperançar na busca do horizonte próximo da utopia. Sem nos esquecermos que, para nós cristãos a utopia traduz-se no Reino de Deus.
Coragem que fez Maria acreditar que, através de sua ação revolucionaria, faria desabrochar a perspectiva de salvação para a humanidade, por meio de seu Menino Jesus. Uma mulher pobre da periferia de Nazaré, alçada ao centro do projeto de Deus, sendo protagonista da libertação de toda a humanidade. Colocando-se nas mãos de Deus com o seu “Faça-se em mim segundo a tua vontade” (Lc 1,38), fez dela uma mulher feminista empoderada, disposta a enfrentar todas as estruturas contrárias ao protagonismo feminino daquela sociedade. Uma cuidadora/seguidora de Jesus pronta a tudo para fazer valer na história o querer de Deus para os filhos e filhas suas.
Maria que foi descobrindo os caminhos de Deus durante o seu caminhar em sintonia com os anseios do Pai, tecendo a personalidade de Jesus com o seu jeito mulher de ser. Ao caminhar, ela foi decifrando a mística da caminhada. Caminhando foi também construindo a espiritualidade do caminho, rumo ao Projeto de Deus. No seu caminhar confiante, revelou também para nós o rosto materno de um Deus acessível, prenhe de ternura e amorosidade para como os seus. Em Maria, sentimos Deus amando-nos com o coração de Mãe, que o profeta Jeremias soube muito bem traduzir ao dizer: “Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci”. (Jr 1,5)
Maria que nos ensina a espiritualidade que nos leva ao encontro com o seu Filho Jesus. Não uma espiritualidade do conformismo e da aceitação da realidade de injustiça como se assim fosse a vontade de Deus. A espiritualidade que Maria provoca em nós é a mesma que nos faz agentes de transformação. Uma espiritualidade libertadora que nos faz enxergar a realidade e lutar para transformá-la. Uma espiritualidade revolucionária que nos coloca no mesmo plano libertador de Deus, diante da injustiça contra os pequenos. Uma espiritualidade transformadora que nos faz rezar juntos com o profeta Isaías quando diz: “Quem age com justiça, quem fala com retidão, quem recusa o lucro da opressão, quem sacode a mão recusando o suborno, quem tapa os ouvidos a propostas sanguinárias, quem fecha os olhos para não ver o mal”. (Is 33,15)
Como podemos observar, a espiritualidade mariana nos faz ver mundo a partir da ótica de Deus. Parafraseando Paulo Freire, poderíamos dizer que a espiritualidade libertadora nos faz “ler o mundo” e decifrar as suas contradições por meio de uma visão crítica da fé. Não se trata de uma espiritualidade que se fundamenta numa “teologia da prosperidade”, argumentando que tudo prosperará “individualmente” para aqueles que estiverem ligados a uma determinada igreja. O Projeto de Deus é coletivo. É para todos os que aderirem a proposta. A vida de um é a vida de todos, pois todos somos irmãos. Como bem diria Santo Agostinho: “O Deus que nos criou sem nós, não nos salvará sem nós”. Uma espiritualidade que nos coloca em sintonia com o Mestre, como Ele mesmo afirmou alto e bom som hoje na sinagoga em Cafarnaum: ”Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. (Jo 6,56)
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