Um fato real que remonta a história de um velho amigo, que ocorreu no tempo de colégio interno de adolescentes e jovens dos anos 60. Contou-me do jeito que escrevo aqui, procurando ser o mais fiel possível, colocando-me no lugar dele, mas decretando toda a repulsa aos gestos de transfobia, homofobia e misoginia dos termos de hoje.

Era a hora de recreio das aulas de uma tarde de calor, a gritaria soava solta, estando todos à espera da chamada de volta para as classes. Bem poderia ser um de nós quando jovens, porque entravámos nas brincadeiras de “tirar o selo” dos que cortavam o cabelo no estilo militar (não era por causa do piolho como nas tropas de guerra), dar chulipa na orelha (cachuleta), pôr o pé para impedir passagem de quem corria, contando piadas e zoando com os mais quietos. Vejam vocês que esses gestos de “carinho” já demonstravam certa indelicadeza, quase “bulling” na linguagem e conceito de hoje.
O diretor da escola alcançava o “campo” de recreação da molecada, através da divisória vazada em cimento para ver os alunos. O barulho era estridente e divertido, o que distraía e não dava para ver o olho observador do mestre de disciplina.
Era comum ouvir o diretor da escola quando ele se aproximava, porque dava para escutar o som das chaves na sua cintura. Esse som sempre avisava quando ele vinha se aproximando. E aí, suavemente a turma do barulho tomava jeito para não exagerar nas brincadeiras toleráveis.
Numa bela tarde, sem arco-íris, meu amigo estava tão distraído que não notou um vulto a espiar o movimento juvenil, por trás da parede divisória. Sem mais nem menos, meu amigo fez de seu dedo igual chave de fenda, metendo-o nos cabelos de um outro colega, como quem apertando algum parafuso solto.
Para a nossa surpresa todos escutaram a voz do diretor, quase gritando, lá do alto, pelo nome de meu amigo. Todos paralisaram e o diretor prosseguiu com a pergunta “indecorosa”, para quem estava apertando os parafusos soltos da cabeça do colega. “Você aí, azarão, é homem ou mulher?”
Meu amigo não deu a mínima pausa para defender sua masculinidade. E sem nenhum preconceito, se por perto, houvesse alguém sem definição clara de seu gênero ou com dúvidas. Mas, respondeu, de imediato: SOU HOMEM!

Ele me confessou que ficou constrangido com a pergunta e com o silêncio que se fez. Claro que depois ouviu risos. Dada a explicação, a vida prosseguiu e meu amigo não ficou com raiva do diretor, naquela tarde sem arco-íris.

Aproveito para descrever e fazer observações, em nada acadêmicas, a respeito da intolerância de qualquer sinal do jeito de ser de algum colega que os machões classificavam de “maricas”, de linguagem pejorativa daquele tempo.

Impressionava-me como nossos olhos pareciam diagnosticar, por mera suspeita, os primeiros movimentos dos novatos da escola. Infelizmente, havia preconceito inculcado, como cultura que não tolerava aqueles que fossem diferentes e destoassem no jeito de gesticular ou de falar.  Este novato, ou se enquadrava num disfarce sofrido ou se excluía e, não suportando a pressão machista pedia para deixar o colégio.

Houve alguns enganos nesse tratamento hostil em relação à primeira impressão que os novatos davam. Entretanto, se estes novatos diferentes fossem resilientes, podiam passar a ter comportamentos adequados, pois o ambiente era de estudos sérios, disciplina exigente, com a prática obrigatória de esportes, que se acreditava servir para a definição de gênero naquele tempo.
Essa questão era administrada pelo diretor e pelos outros professores. Havia normas bem precisas e podadoras de “amizades particulares”, como se dizia, no passado. Por exemplo, tinha até um ditado, assim muito repetido: “Raro um, nunca dois, sempre três”, que orquestravam uma prática preventiva para deslizes homoafetivos, mas que também estimulavam uma prática de cooperação grupal e de empreendimentos comunitários.
Finalizo esta história, que serviu para mostrar como se abordava a homossexualidade nos anos 60. Havia um forte controle social, apesar de ser desrespeitoso e intolerante, sem os conhecimentos mais avançados da ciência, da evolução do direito da diversidade de gêneros com a participação das igrejas que seguem a Jesus, o acolhedor de todos e de todas as pessoas e diferenças. O convite é ser humano como Jesus, dirigindo amor e compaixão, tratando a todos com respeito e sensibilidade.

Fiquemos com Jesus, pedindo desculpas, em nome da caridade cristã e do respeito devido a todos, quando faltou da parte daqueles alunos, machistas e preconceituosos, entre os quais muitos de nós assim nos comportamos.

Fotos 2 e 3 são creditadas a Gisele B. Alfaia – Gratidão!