Sexta-feira depois das Cinzas.
O tempo é o da Quaresma.
Tempo designado para rever a vida à luz da Palavra de Deus e do Projeto do Reino. Tempo de repensar como nos inspira o Livro do Eclesiastes, uma coletânea de textos que faz parte da Literatura Sapiencial dos sete livros que formam um bloco bíblico (Jó, Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico e Sabedoria) e dois poéticos (Salmos e Cântico dos Cânticos). A literatura sapiencial traz para nós a experiência, a cultura e a sabedoria do povo de Israel. Segundo este livro: “Debaixo do céu há momento para tudo, e tempo certo para cada coisa: Tempo para nascer e tempo para morrer. Tempo para plantar e tempo para arrancar a planta”. (Ecle 3,1-2)
Baseados na história de vida e na sabedoria do povo de Israel, o tempo de agora é o tempo de repensar a vida na perspectiva das mudanças necessárias, para que assim possamos caminhar dentro da lógica de Deus. Tempo de conversão de vida. Tempo de mudanças profundas de mentalidade, de atitudes, fundamentadas no jeito de pensar e viver no coração os valores da prática cristã. Não de um cristianismo sem Jesus, como preferem alguns, mas tendo a inspiração maior na prédica e prática d’Ele. Deixar-nos levar pelos ensinamentos do Mestre Galileu. Converter para viver sob a luz da Palavra de Deus que se faz vida na nossa vida.
“Tempora mutantur et nos in illis!” Esta é uma expressão latina que significa que “Os tempos mudam e com eles nós também mudamos!” Isto para dizer que não somos seres estáticos, mas acompanhamos a dinâmica da vida que é regida pelas mudanças, permanentemente. Desde que nascemos vamos avançando no tempo, fazendo uma caminhada em busca das nossas realizações pessoais e comunitárias. Ninguém fica parado. Fazemos parte deste processo salutar de crescer a cada passo dado em direção ao horizonte da nossa visão de mundo. As utopias são os nossos sonhos de esperança. Esperançar na história fazendo acontecer.
Hoje é um dia especial para o universo feminino. Tardiamente, no dia de hoje, lá pelos idos de 1932, as mulheres conquistavam, enfim, o direito ao Voto Feminino. Vergonhosamente, elas não podiam exercer o seu direito de cidadania ao votar, pois a idiotice do domínio machista masculino dizia que a mulher só servia para “esfriar a barriga no tanque e esquentá-la no fogão”. As mulheres não votavam e nem podiam pleitear um lugar de representatividade, através do voto de quem quer que seja. Assim, no dia 24 de fevereiro de 1932 (no governo de Getúlio Vargas) foi publicada a primeira legislação eleitoral brasileira (Decreto n. 21.076), que reconhecia o “Voto Feminino” e também incluía o “voto secreto”. Já não era sem tempo.
Ainda bem que a História faz os registros dos tempos que vivemos para que aprendamos, através dos erros, a buscar os acertos necessários. A vida se faz na caminhada entre os erros e acertos nos passos que vamos dando. No tempo litúrgico de agora, estamos a caminho do Mistério Pascal de Jesus de Nazaré. Liturgicamente, a grande temática proposta é a nova concepção do jejum. Entendê-la na sua amplitude já é meio caminho andado no sentido de viver a nossa experiência de fé na história. Jejuar não é passar fome. Se assim o fosse, as mais de 33 milhões de pessoas que passam fome hoje no Brasil estariam dentro desta lógica perversa. Existe o jejum e existe a fome. Entre um e outro há uma diferença absurdamente nefasta. Fome não o mesmo que jejum. Enquanto o jejum quer ser uma prática penitencial, a fome é o jejum forçado que provoca a morte de muitos inocentes.
O jejum era uma prática penitencial muito comum daqueles que esperavam pelos “Novos Tempos” de libertação. Influenciados pelo pensamento judaizante da época, os discípulos de João Batista e os fariseus vão até Jesus saber dele porque os seus seguidores não jejuavam, conforme os prescritos da Lei Judaica. Ao que Jesus responde que o tempo desta espera já passou, uma vez que Ele estava ali no meio deles trazendo esta libertação. Além do mais, Jesus veio substituir o sistema da Lei, rigidamente seguido pelos fariseus. Mais importante que a Lei em si é a justiça que vem de um coração pleno de amorosidade e misericórdia, possibilitando a prática de novas relações fraternas entre as pessoas. A presença de Jesus ali no meio deles mostra que o amor de Deus vem para salvar as pessoas concretas e não para manter as estruturas que as sugam. O Verbo encarnado é a novidade que rompe as estruturas que marginalizam as pessoas, uma vez que Ele não veio para reformar, mas exige mudança radical: Conversão. Como diria São João Crisóstomo: “Se você não consegue ver Cristo no mendigo na porta da Igreja, não poderá encontrá-lo no cálice.”
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