Terça feira da 33ª Semana do Tempo Comum. Já de volta em casa, depois da maratona do bate e volta em Cuiabá. Nada como uma noite bem dormida no seu cantinho! De corpo revigorado, depois de uma noite de um sono só. O corpo agradece e a vida segue pedindo passagem. De volta à rotina, aproveitei para rezar na companhia de Pedro, recebendo em meu corpo as flores do pequizeiro. Pedi ao profeta, que intercedesse por todos e cada um de nós. Para completar, pedi ao nosso Deus, que não me deixasse perder a inquietude revolucionária. Findei o meu momento orante ali, relembrando os versos de um dos poemas de Pedro: “Dá-nos, Senhor, aquela paz inquieta, que denuncia a paz dos cemitérios e a paz dos lucros fartos. Dá-nos a paz que luta pela paz. A paz que nos sacode com a urgência do Reino”.
Sei que a Igreja Católica tem os seus propósitos ao celebrar no dia de hoje a memória dos padres jesuítas mártires. Segundo relatos históricos, eles realizavam missões e reduções com os indígenas da etnia Guarani do Cone Sul, com a finalidade de “catequizar os índios”, ensinando os princípios do Evangelho. Como se os indígenas quisessem ser catequizados por outros povos diferentes de suas próprias culturas. Homens brancos, falando e vivendo outra língua e cultura, oriundos de outro Continente. Relembrando que, para a concepção da época, os “índios não tinham alma” e, por isso precisavam ser batizados para receberem uma. Sem falar que, nas “reduções”, eram colocados num mesmo espaço, povos rivais, de línguas e culturas diversificadas afinal, eram tudo “índio” mesmo.
Nosso bispo Pedro tinha outra concepção a respeito do processo de “evangelização” que ocorrera durante o período colonial nas Américas. Infelizmente, a Igreja Católica embarcou na canoa furada do colonizador, reforçando e reproduzindo os valores do “Velho Continente”, promovendo o encobrimento dos usos, costumes e tradições dos Povos Originários locais. Os Indígenas e o Povo Negro foram duramente massacrados pelo colonizador, com a conivência da Igreja Católica, com raras exceções de alguns “evangelizadores” que defendiam estes povos massacrados. Nunca vou me esquecer da frase dita a mim por Pedro, quando entrei pela primeira vez numa aldeia indígena daqui: “Não se esqueça, que lá, você não vai ser padre. Vai ser um com eles, nas causas deles. Quando muito, ‘des-evangelizar’ e ‘descolonizar’”. Muito diferente!
Uma terça feira em que temos a oportunidade de refletir sobre um encontro inusitado de opostos: Jesus e Zaqueu. O contexto se dá com Jesus que estava atravessando a cidade de Jericó e, dá de cara, com um chefe dos cobradores de impostos. Um homem muito rico que “procurava ver quem era Jesus”. O texto de hoje (Lc 19,1-10) é uma das perícopes mais conhecidas de todo o Novo Testamento, talvez por causa da figura emblemática de Zaqueu, e sua atitude de buscar uma estratégia, nada convencional, para um homem rico, para que pudesse assim ver Jesus que passava por ali. Um desencontro que se transforma em encontro, por causa da abertura de Jesus, para acolher o outro. A título de curiosidade, naquela época, a cidade de Jericó era uma importante cidade da região da Palestina, no Oriente Médio. Ela era considerada uma cidade estratégica por causa da sua localização geográfica, próxima ao Rio Jordão e do Mar Morto, e era um importante centro comercial e religioso.
“Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa”. (Lc 19,5) Inadmissível para o pensamento da época, que um homem que se dizia “Messias enviado de Deus”, se hospedasse na casa de um publicano pecador. Aliás, esta foi uma das críticas feitas a Jesus pelas autoridades religiosas da Palestina de seu tempo: Jesus se hospedava e sentava-se à mesa com aquela gente perdida. Como vemos pelo texto, Zaqueu era alguém que estava à procura: “ver quem era Jesus”. Inicialmente, talvez por curiosidade, mas que se transforma em atitude de conversão, quando se vê face a face com aquele que queria ver: Jesus.
O desfecho conclusivo do texto de hoje está no versículo final: “o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. (Lc 19,10) “Procurar” e “salvar”, duas palavras que, ontologicamente faziam parte da atividade pública messiânica de Jesus. Ir atrás daqueles que ninguém dava nada por eles. Salvar os que já eram considerados perdidos. A vida nos reserva vários momentos de encontros e desencontros. Viver a fé autenticamente pressupõe que estejamos abertos para buscar os “perdidos”. Nem tudo está perdido para aqueles que se acham muito ricos. Zaqueu é o exemplo para qualquer rico que deseja alcançar a salvação. Sua conversão começa com o desejo de conhecer Jesus de perto. Continua, quando se une ao povo para se encontrar com Jesus e acolhê-lo em sua própria casa. Sua conversão se completa quando ele se dispõe a partilhar seus bens e devolver com juros o que roubou. Diferentemente de Zaqueu, outro rico não teve a mesma atitude que este: “venda tudo o que você possui, distribua aos pobres, e terá um tesouro no céu. Depois venha, e siga-me. Quando ouviu isso, o homem ficou triste, porque era muito rico”. (Lc 18,22-23)
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