Deixar-se tocar (Chico Machado)

Terça feira da Quarta Semana do Tempo Comum. Fevereiro segue dando as coordenadas em clima de verão: dias de intensas chuvas, intercalados com o forte calor, predominante nesta estação do ano. A Lua em sua fase Nova vai se despedindo de nós, já que no dia de amanhã, ela dará lugar a Lua Crescente. E assim vamos dando dinamismo ao Calendário Lunar, tão importante para o ciclo da vida de todos nós e da Mãe Natureza. O Araguaia segue também recebendo as águas da chuva, agora mais convidativo para a pesca, já que no dia 31 de janeiro passado, encerrou-se a Piracema, quando é proibido à pesca, para proteger as espécies durante o período de reprodução. Várias pessoas estão na barranca do rio pescando.

Nosso Araguaia está lindo como nunca! Depois de um período de longa estiagem, seca e fogo, pelos quais passamos neste ano de 2024, agora ele está imponente. Está tão cheio que me impediu de rezar nesta manhã no túmulo do nosso bispo, como sempre faço, uma vez por semana, já que a água do rio interditou o portão de entrada do antigo cemitério de São Félix. Acomodei-me em uma das frestas do muro e dali pedi a interseção deste profeta do Araguaia, por todos os amigos (de perto e de longe), que me acompanham ao longo desta minha trajetória de vida aqui pelas bandas da Prelazia de São Félix. Sempre que estou nesta minha atitude orante, ali diante dele, uma de suas frases salta-me à mente: “Se não houver grandes causas, a vida não tem sentido”.

A vida sempre tem sentido para quem faz a sua adesão por trilhar na mesma estrada com Jesus. Quem está com Ele, sabe que viverá grandes desafios. Sabe também que não terá vida fácil, já que os adversários do Reino estão na espreita. Mas, o mais importante de tudo, é lutar pelas causas do Reino e, como Jesus, estando do lado dos pequenos, pobres e marginalizados. Assim como perseguiram a Jesus, seus seguidores passarão pela mesma experiência. Ainda bem que Ele mesmo já nos alertara: “Bem-aventurados sois vós quando vos insultarem, e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por causa de mim. Exultai e alegrai-vos, pois será grande a vossa recompensa nos céus; porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós”. (Mt 5,11-12) Como bem disse o Padre Júlio Lancellotti: “Quem tá do lado dos rejeitados vai ser rejeitado”.

O Mestre de Nazaré fez questão de estar do lado dos rejeitados, como o texto do Evangelho de hoje nos mostra. Ele é tocado por uma pessoa impura. Ele deixa-se tocar, sem medo de ser chamado de impuro, conforme era a tradição naquela sociedade: os impuros não podiam ser tocados e nem tocar em ninguém, ainda mais naquelas circunstancias, conforme está descrito no Levítico: “Quando uma mulher tiver sua menstruação, ficará impura durante sete dias. Quem a tocar ficará impuro até à tarde. Quando uma mulher tiver hemorragias frequentes, fora ou depois da menstruação, ficará impura como na menstruação, enquanto durarem as hemorragias”. (Lev 15,19.25) Ou seja, as mulheres eram excluídas do convívio social, apenas por viverem o ciclo natural da vida.

Jesus subverte este modo machista de encarar a realidade e não somente deixa-se tocar, mas vai ao encontro delas, para estar com elas. Foi assim nos dois episódios narrados pelo evangelista Marcos no dia de hoje: a cura de uma hemorragia e o ressurgimento de uma menina de doze anos, filha de Jairo. Ambas as curas aconteceram por causa da fé daquelas pessoas ao redor de Jesus: “Se eu ao menos tocar na roupa dele, ficarei curada”. (Mc 5,28) Fé que move os corações e faz as pessoas terem coragem de arriscar, alimentando em si a confiança e a esperança de que novos dias e novas possibilidades vão surgir na vida delas.

Jairo era um dos chefes da sinagoga no tempo de Jesus. Uma pessoa influente, que ocupava uma posição importante e contava com certos recursos. Pouco se sabe especificamente sobre quem foi Jairo. Os escritos bíblicos não enfocam especificamente sua biografia, mas o milagre sobre sua filha. Sua história ficou conhecida porque sua filha foi ressuscitada por Jesus. Jairo é mencionado nos três Evangelhos Sinóticos, embora Mateus não tenha registrado seu nome (Mt 9,18-26; Mc 5,21-43; Lc 8,40-56). A força revolucionária da fé é incalculável. A fé em Jesus faz com que uma mulher simples do meio do povo, viole a Lei e seja curada. A missão de Jesus é fazer acontecer à libertação integral das pessoas: não só libertá-las da doença que as diminui e exclui do convívio social, mas também salvá-las da morte, que as exclui da vida prematuramente.