Segunda feira da Terceira Semana da Quaresma. Nossa caminhada rumo à Páscoa continua. Caminhos feitos de conversão, de mudanças radicais para que assim possamos aderir ao projeto libertador de Jesus. Mudar o pensamento, mas, sobretudo, o jeito de ser, agir e encarar a vida como um projeto maior de Deus. Continuar na mesmice acomodada na indiferença, não está na perspectiva da caminhada da Quaresma. Como nos advertira o profeta Joel: “Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes; e convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque Ele é misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em amorosidade, e se arrepende do mal”. (Jl 2,13) Conversão como um movimento profundo pessoal e coletivo, porque Deus nos conhece por dentro, e não somente pela aparência.
24 de março, uma data marcante para a História da América Latina. Celebramos hoje, São Romero de América, pastor e mártir. Oscar Arnolfo Romero Galdámez, nasceu em Ciudad Barrios, El Salvador, em 15 de agosto de 1917. Ordenado padre em 1942 e bispo em 1970, foi nomeado arcebispo da capital do país, San Salvador, em fevereiro de 1977. No dia 24 de março de 1980, Dom Romero foi fuzilado, em meio aos doentes de câncer e enfermeiros, enquanto celebrava uma missa na capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador. Sobre ele, nosso bispo Pedro expressou assim em um dos versos de seu poema: “Pobre pastor glorioso, assassinado a soldo, a dólar a divisa. Como Jesus, por ordem de Império. Pobre pastor glorioso, abandonado por teus próprios irmãos de Báculo e de Mesa. (As Cúrias não podiam entender-te: Nenhuma Sinagoga bem montada pode entender a Cristo)”
O Papa Francisco o beatificou em 23 de maio de 2015. Já a cerimônia de canonização foi celebrada no dia 14 de outubro de 2018. Francisco, o primeiro papa latino-americano, reconheceu Romero como “mártir da Igreja”, ele que havia sido assassinado “por ódio à fé”. Assassinado por causa da sua luta na defesa da democracia e dos direitos humanos, denunciando violências sofridas por comunidades vulnerabilizadas de seu país e fazendo oposição a todas as formas de violência. A época, El Salvador, era um país caracterizado pela instabilidade econômica e desordens políticas, onde uma oligarquia rica governava um povo de maioria pobre e sem-terra. Dom Oscar Romero foi assassinado por ser fiel ao Evangelho, cujo seu profetismo custou-lhe a vida. Um bispo fiel aos ensinamentos do Nazareno: “Uma religião de missa dominical, mas de semanas injustas não agrada ao Deus da Vida. Uma religião de muita reza, mas de hipocrisias no coração não é cristã. Uma Igreja que instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, porém que não ouve os clamores das injustiças não é a verdadeira igreja de nosso Divino Redentor”.
Infelizmente, uma pequena parte da Igreja Católica, não celebra este dia de hoje pensando neste mártir de El Salvador. Pessoas ultraconservadoras, ligadas ao fundamentalismo religioso, marcado pelo moralismo, não reconhecem a luta deste bispo latino americano, por dizer que ele representa a ala progressista da Igreja, vinculada à Teologia da Libertação (TL). Certamente tais pessoas, equivocadas no seu jeito de viver a fé, rasgaram a pagina de suas Bíblias, onde está escrito o texto da primeira leitura da liturgia de ontem (23): “E o Senhor lhe disse: “Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos. Desci para libertá-los das mãos dos egípcios, e fazê-los sair daquele país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre leite e mel”. (Ex 3, 7-8) Um Deus que toma partido dos fracos, empobrecidos, marginalizados e explorados pelos poderosos e ontem e de hoje.
Iniciamos a semana continuando a reflexão com o Evangelho de São Lucas. Como este evangelista nos apresenta o caminho de Jesus realizando na história, lembramos que no contexto de hoje, Ele, juntamente com os seus discípulos, está a caminho de Jerusalém. Aliás, esta cidade é o ponto de chegada do caminho de Jesus. Ali ele vai ser torturado, morrer, ressuscitar e subir ao céu, terminando a missão do Jesus histórico. É por este motivo também que Jerusalém é o ponto de partida do discipulado de Jesus, que prossegue a sua missão até os confins da terra, como o Livro dos Atos assim o registrou: “o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os extremos da terra”. (At 1,8).
No texto de hoje, Jesus está de volta à sua terra natal, Nazaré. Embora bastante admirados com as suas palavras de sabedoria, seus concidadãos o viam também com desconfiança, pois não concebiam a ideia de que um deles pudesse ter tamanho conhecimento: “Este não é o filho de Seu José e de Dona Maria?” (Lc 4,22) Diante desta desconfiança de seus conterrâneos, Jesus retoma uma frase bastante conhecida deles: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. (Lc 4,24) Foi assim com os profetas velho testamentários; foi assim com João Batista, e Jesus está experimentando na própria pele tal rejeição. Nós também temos ente nós este mesmo tipo de posicionamento: valorizamos muito mais aquilo que vem de fora e não sabemos reconhecer o valor daquelas pessoas que caminham lado a lado de mãos dadas conosco. O texto de hoje nos faz concluir que a dúvida e a rejeição de Jesus por parte de seus compatriotas, preveem a hostilidade e a rejeição de toda a atividade d’Ele por parte de todo o seu povo. Nada que desanime Jesus, pois Ele prossegue o seu caminho, para construir a nova história que engloba toda a humanidade: “Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho”. (Lc 4,30) “Amicus in veritate et ex corde” – “Um amigo de verdade e de coração”.
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