Sexta feira da segunda semana do Advento.
Sextou de novo no clima festivo da Copa do Mundo. Dia de alegria para os torcedores mais apaixonados. Em meio às contradições da realização desta importante competição, confesso que perdi o entusiasmo. Não é mais como nos tempos de outrora, talvez porque os “astros” do futebol de hoje se sentem mais importantes que os seus respectivos países que representam. Muito dinheiro em jogo. Grifes e pouca inspiração para com as coisas da vida cotidiana dos mais simples mortais.
Acordei esta manhã com sintomas de saudade, como canta Marisa Monte: “Tô com sintomas de saudade. Tô pensando em você”. E o meu quintal contribuiu enormemente para aflorar ainda mais este sentimento nostálgico. No clima bucólico, com os pássaros ensaiando os seus primeiros acordes do dia, me vi flagrado me fazendo sintonia com o recinto. O coração apertado de lembrar-me dos tempos que já se foram. A mente registra e o coração se encarrega de trazer presente. Faço sintonia também com aquilo que fora dito pela escritora Clarice Lispector (1920-1977): “Sinto saudades de quem não me despedi direito, das coisas que deixei passar, de quem não tive, mas quis muito ter.”
“Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver.” Esta frase dita pelo “Santo Rebelde” Dom Hélder Câmara, resume bem a nossa caminhada rumo ao infinito, finito em Deus. A vida é constituída de desafios e não há sentido em vivê-la esperando que as coisas aconteçam. É esperar fazendo acontecer como neste atual momento em que estamos nos preparando para o Natal. A motivação está em nosso coração na busca incessante pelas realizações pessoais. Cada dia é único e se esvai sem que ao menos possamos dele nos despedir. Viver o presente intensamente se faz necessário, como forma de vislumbrar as razoes de viver na sua integralidade. Como nos diria o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935): “Não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram.”
Viver o Projeto de Deus no encantamento das palavras de Jesus. Sendo anunciador do Reino, Ele nos busca para fazer parte desta grande missão. Desde os tempos mais antigos, ainda no Velho Testamento, Deus se faz presente na caminhada de seu povo. Jamais abandona os seus, mesmo quando estes o trocam, submetendo às tentações da vida efêmera. Deus é fiel sempre e guardou o de melhor de si para a geração que acompanha os passos de Jesus: o Reino se fazendo presente com toda a sua dimensão do Verbo encarnado advindo do ventre materno de Maria. Em Jesus, a história humana ganha novos contornos, com a possibilidade de sermos divinos assim como o Deus verdadeiro é Divino em sua essência.
Apesar da clareza da mensagem de Jesus e do objetivo de Deus se fazer presente em nós, a rejeição ao seu projeto de amor é ainda muito grande, como vemos no texto proposto pela liturgia para esta sexta feira. “Com quem vou comparar esta geração? São como crianças sentadas nas praças, que gritam para os colegas, dizendo: Tocamos flauta e vós não dançastes. Entoamos lamentações e vós não batestes no peito!’ (Mt 11, 16-17) O grau de desprezo e indiferença frente ao projeto da vida plena anunciado por Jesus é assustador. O convite nos é dirigido para que sejamos as testemunhas fieis, abraçando o sonho de Deus que nos foi revelado na pessoa de Jesus. Segui-lo pelas estradas da vida, superando os desafios é a nossa missão, realizando em nós a vontade de Deus. “Feliz o povo que aprendeu a aclamar-te, Senhor, e que anda na luz da tua presença!” (Sl 89,15)
Deus nos ama mais do que nós mesmos somos capazes de nos amarmos a nós mesmos. Viver o Natal é viver a presença de Jesus em nós. O Deus que há em mim e que também está presente no outro. Natal é isso, sermos capazes de amar com tamanha intensidade que sintamos a presença do Deus vivo no outro que conosco convive. O verdadeiro sentido do Natal ultrapassa os limites de uma compreensão mesquinha de uma festa profana e precisa estar além da superficialidade de nossa prática comum. O espírito do Natal deve ser uma busca constante por algo que seja duradouro e permanente na construção de novas relações humanas de fraternidade, igualdade e justiça, regadas pelo amor que nasce na essência do coração. Que o nosso Natal seja diferente e que possamos ser luz como a luz de Deus que irradia de Jesus.
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