Terça feira da 33ª semana do tempo comum.
O Advento está bem ali, como dizemos nós mineiros. Depois do domingo da Solenidade de Cristo Rei (21), no próximo, já iniciaremos o Ano Litúrgico C, em que a Igreja Católica nos propõe que leiamos, reflitamos/meditemos, tentando vivenciar na prática do dia a dia, o Evangelho de Lucas. Como bem disse o Papa Francisco: “Toda a evangelização está fundada sobre a Palavra de Deus escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é a fonte da evangelização. Por isso, é preciso formar-se continuamente na escuta da Palavra.”
Acordei nesta manhã com um dos cânticos das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs na cabeça. “Igreja é povo que se organiza. Gente oprimida buscando a libertação. Em jesus cristo a Ressurreição”. Esta foi uma das canções que muito nos animou em nossa luta nas comunidades na década de 1980. Recordando que foi no Concílio Vaticano II (1962-1965) que aparece na Constituição dogmática “Lumen Gentium”, a expressão “Povo de Deus”. Ali a Igreja é apresentada como o novo Povo de Deus. Uma nova eclesiologia, que é um dos ramos da teologia cristã que trata da Doutrina da Igreja, dando-nos a ideia de Igreja como um povo peregrinante pelas estradas da vida.
Uma eclesiologia que nos faz voltar ao tempo de Jesus e beber da fonte e da experiência das primeiras comunidades cristãs. O retrato das primeiras comunidades era bem diverso da maioria dos modelos que temos hoje entre nós. Segundo os relatos dos Evangelhos, as pessoas viviam unidas e colocavam tudo em comum. Ou seja, era uma forma de organização de sociedade mais justa igualitária e fraterna, fundamentada no bem coletivo. Lá como cá, a Igreja deve se preocupar em caminhar ao lado dos desfavorecidos, pelo menos é assim que está escrito nos documentos da Doutrina Social da Igreja (DSI) que nos lembra: “O zelo pelo bem comum exige que se aproveitem as novas ocasiões de redistribuição de poder e riqueza entre as diversas áreas do planeta, em benefício das mais desfavorecidas e até agora excluídas ou à margem do progresso social e econômico” (nº 363) e que o assumir o bem comum se torna a finalidade e o critério regulador da vida pública (cf. nº 407). Mais claro impossível!
Uma Igreja de corpo e alma, presente nas lutas do povo sofrido. Enganam-se aqueles e aquelas que compreendem a Igreja “cuidando apenas das almas”. Cuidar da alma sim, mas cuidar dos corpos que alojam estas almas é fundamental, afinal se os corpos estão sendo mutilados, dilacerados, maltratados, como falar apenas de almas neste contexto? Como nos diria o filósofo grego Platão, ao discorrer sobre o assunto dizia que “o corpo é tratado como o lugar em que habita a alma e a imortalidade da alma é uma unidade intrínseca ao homem.
Esta dualidade “corpo e alma” me faz recordar de um dos diálogos de nosso bispo Pedro. Assim que cheguei à Prelazia, inicio de 1992, uma jornalista veio fazer uma entrevista com Pedro. Lá pelas tantas, a dita jornalista pergunta ao bispo: “Dom Pedro, dos vários escritos seus que lemos, em nenhum deles, vimos o senhor se referir à alma das pessoas. O senhor não tem preocupação com a salvação das almas delas”? Pedro saiu com uma resposta que achei sensacional. Disse ele: “Talvez porque eu não tenha visto nenhuma destas almas passando aqui pela porta de casa. O que sempre vejo, são corpos sofridos e maltratados pela ação terrível dos latifundiários”. Pedro sendo Pedro, sem a dialética dicotômica do corpo e alma. O corpo tem a prevalência para que a alma também sobreviva.
Se a alma é importante dentro do processo escatológico, o corpo é também. Somos constituídos na corporeidade de um todo. Não dá para se pensar privilegiando apenas uma destas dimensões. Corporeidade aqui entendida como a maneira que o cérebro reconhece e utiliza o corpo para manifestação e interação com o mundo. Corporeidade que fez com que o baixinho Zaqueu, “correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali”. (Lc 19, 4) Apesar de sua baixa estatura física, não se tratava de um homem qualquer, mas alguém muito rico. Entretanto, para passar pelo processo de conversão (Metanoia) e caminhar com Jesus, foi preciso partilhar a sua riqueza, os seus bens, devolvendo com juros, uma vez que a sua riqueza era oriunda do roubo e da concentração de renda.
Zaqueu recebe de Jesus a chave que abre as portas de sua libertação: “Jesus lhe disse: “Hoje a salvação entrou nesta casa”. (Lc 19-9) Jesus o liberta de sua exploração que gera a concentração de bens e riquezas. Quantos “Zaqueus” entre nós precisariam passar por este encontro com Jessus? Bastariam que abrissem as portas de seus corações e do entendimento, para perceberem que o acúmulo de bens e a concentração é proveniente da exploração dos pequenos. Como Zaqueu, precisariam passar por uma mudança radical de vida. Da mesma forma que Jesus foi estar na casa de um ladrão, Ele tambem se faz presente em nossas vidas, nossas casas, como mesmo disse o Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo”. (Apoc 3,20).
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