Sexta-feira Santa ou Sexta-Feira da Paixão ou Sexta-Feira Maior. Esta é uma data que a cristandade faz a memória da crucificação de Jesus de Nazaré e, consequentemente, sua morte no Calvário. A tarde da Sexta-feira Santa apresenta o drama incomensurável da dor sofrida por Jesus no Calvário. Para os cristãos, a cruz, erguida sobre o mundo, segue de pé como sinal de salvação e esperança, pois com a Paixão de Jesus, segundo o Evangelho de João, contemplamos o mistério do Crucificado, com o coração do discípulo Amado, da Mãe, do soldado que o transpassou o lado. Há um ato simbólico muito expressivo e próprio deste dia: a veneração da “Santa Cruz”, momento em que esta é apresentada solenemente à comunidade.
Alguns historiadores acreditam que o costume de observar os dias anteriores à Páscoa por meio das tradições religiosas ligadas à Ressurreição de Jesus, se estabeleceu a partir do século III ou século IV. De toda forma, do século III em diante, a liturgia cristã foi incorporando alguns elementos que foram estabelecidos como parte da tradição da Semana Santa. “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3, 16-17). Deus manifesta todo o seu amor através de Jesus, para salvar e dar a vida a todos.
Hoje, estamos diante da morte do Jesus histórico. É bom que saibamos que Deus não enviou o Filho para morrer pendurado numa cruz, como um malfeitor. A cruz surge no horizonte de Jesus como consequência de sua fidelidade ao plano de Deus. Como nos diz o dominicano Frei Betto, “Jesus foi executado na cruz como prisioneiro político por ordem de dois poderes: o romano, representado por Pilatos, e o judaico, representado pelo Sinédrio. O Sinédrio que era a suprema corte dos judeus, o mais alto tribunal que se reunia em Jerusalém. Assim, o Sinédrio exercia jurisdição civil e até criminal. Julgava as causas e tomava as decisões com base na lei judaica. Reunia as provas, colhia testemunhos, formulava a acusação formal e decidia a sentença, mas dependia do parecer final do governo romano na província, que naquela época era liderado pelos procuradores. Pôncio Pilatos, por exemplo, foi um desses procuradores.
A minha formação cristológica foi sendo construída através de muitas leituras e pelo privilégio de ter tido aulas na Teologia com os professores Padre José Bortolini, Mestre em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, autor de dezenas de livros, e Padre João Resende Costa, CSSR. Todavia, foi com as seguidas leituras dos livros de José Comblin (1923-2011), sacerdote belga naturalizado brasileiro, teólogo da Teologia da Libertação, que tive uma maior compreensão do processo pelo qual passou Jesus na sua via crucis, enfrentando as forças da morte. Segundo Comblin, “Jesus morreu porque anunciou o Reino de Deus, o que ameaçava tanto o reino de César como o reino das autoridades religiosas de Israel. Era um ato político, como queria o Pai. Foram as lideranças religiosas que arquitetaram e levaram Jesus à morte.
A Sexta feira Santa é o dia em que mais se reúnem as pessoas nas nossas comunidades. Clima de velório. Mais até que no Domingo de Páscoa, data mais importante para o cristianismo. O devocionismo popular fez da Sexta feira Santa o dia em que as pessoas se prostram diante de Jesus crucificado nas igrejas, numa comoção que não manifestam em outras circunstâncias de suas vidas de vidas ameaçadas. Esta é uma das heranças da Igreja medieval, que perdurou ao longo da História da Igreja, que dificilmente alguma liderança religiosa, conseguirá dar uma roupagem nova ao contexto, para que possamos assim venerar os “Jesuses” que continuam sendo crucificados na vida real cotidiana.
“Hoje, Jesus continua virtualmente assassinado por todos aqueles que usam em vão o seu nome para legitimar fake news, opressões, governos tirânicos e desigualdades sociais”. (Frei Betto) Da mesma forma que crucificaram Jesus, muitos outros deles continuam sendo crucificados nas periferias existenciais, geográfica e culturais, na pessoa das mulheres (feminicídio); pobres, prestos da periferia; pessoas em situação de rua; doentes nas portas dos hospitais, ou nas filas por atendimento; indígenas ameaçados em seus territórios tradicionais; lideranças ambientais perseguidas; indigenistas e sindicalistas que lutam para fazer valer os seus direitos. A humanidade de Jesus, ferida, maltratada, machucada à frente dos nossos olhos. Contemplar Jesus crucificado na sua paixão e morte é assumir o compromisso de lutar para descer das cruzes, as centenas de milhares de outros Cristos, que estão sendo crucificados à luz do dia e, quase sempre, nem sequer lhes damos a devida atenção. Descer da cruz os pobres crucificados, eis aí aquilo que nosso bispo Pedro chamava de “Cristologia da Libertação”.
Comentários