Sábado da Trigésima Quarta Semana do Tempo Comum. Primeiro final de semana do mês de dezembro e último dia do ciclo litúrgico A. No dia de amanhã, iniciaremos um novo Ano Litúrgico (B). Se neste Ano A, estivemos refletindo o Evangelho de Mateus, o Ano B é a vez de Marcos. A partir da reestruturação feita com o Concílio Vaticano II (1962-1965), o Evangelho de Marcos tornou-se o “Evangelho do ciclo B” lido, geralmente, de janeiro a novembro a cada três anos, por exemplo, 2021, 2024, 2027, 2030. O Primeiro Domingo do Advento (03) inaugura o novo Ano Litúrgico, dando-nos, portanto, a oportunidade de aprofundar um pouco mais na escrita do Evangelho de Marcos.
Marcos é aquele evangelista que soube de forma muito peculiar narrar de maneira mais cristalina a humanidade de Jesus. Em seu Evangelho, encontramos um Jesus que se entristecia, se indignava e até mesmo se irritava: “Jesus então olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eles eram duros de coração”. (Mc 3,5). A divindade de Deus se fazendo humanidade plena. Assim, Jesus é apresentado como um ser humano verdadeiro, a ponto de ficar, muitas vezes, desanimado por não conseguir fazer com que os seus discípulos compreendessem verdadeiramente o real sentido de sua missão. Por outro lado, embora fosse Deus, era bastante acessível à todos e todas, porque experimentou como os demais seres humanos desapontamentos, alegrias e tristezas.
O evangelista Marcos escreveu o seu Evangelho com a finalidade de responder à pergunta: “Quem é Jesus?”. Todavia, a sua resposta não veio através de doutrinas teóricas ou discursos de Jesus. De forma muito precisa, ele relata a prática ou atividade de Jesus, deixando que o seu leitor chegue por ele mesmo à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus (1,1; 8,29; 14,61; 15,39). A partir de amanha, seremos desafiados a conhecer um pouco mais acerca da prédica e prática (palavra e ação) de Jesus, para que assim possamos fazer o seu seguimento de forma consciente, realizando com Ele o projeto messiânico, segundo a vontade do Pai.
Mas enquanto Marcos não chega até nós, vamos fazendo a escalada com Jesus através da narrativa de Lucas. Ainda dentro da perspectiva escatológico-apocalíptica. E hoje Jesus está falando de coração para coração: “Cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis”. (Lc 21,34) Para perspectiva bíblica, o coração é a sede da razão e das principais decisões. Mais do que um lugar que armazena sentimentos, é do coração que saem as decisões importantes para a vida cotidiana. O profeta Jeremias, a seu tempo, já havia dito: “Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em seu coração; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo”. (Jr 31,33)
O coração é o centro de onde floresce os sentimentos e as tomadas de decisão. Coração sensível cheio de humanidade. É de dentro do coração que nasce a humanidade nova, em que as estruturas de poder são superadas pela fraternidade, e as estruturas econômicas pela partilha justa dos bens que Deus concede a todos. O coração pleno de Deus faz com que sejamos capazes de construir a utopia da partilha de uma humanidade em que todos vivem totalmente reconciliados entre si e com Deus. O coração sensível sonha com o sonho divino de Deus para a humanidade, como bem sintetizou o Apocalipse: “Não vi na Cidade nenhum Templo, pois o seu Templo é o Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. A Cidade não precisa do sol nem da lua para ficar iluminada, pois a glória de Deus a ilumina e sua lâmpada é o Cordeiro”. (Ap 21, 22-23) Não há nada pior para um cristão ter no peito um coração insensível.
Não deixar que o coração seja insensível é não permitir que ele enverede por outros caminhos que não conduzem ao roteiro da vida na sua plenitude máxima. O coração sensível é aquele que se infla de humanidade com Deus que se faz presente em nossa humanidade. O coração sensível se abre em perspectiva de sementeira do Reino e percebe que não é preciso mais nenhum meio para ligá-la com Deus: nem Templo, nem liturgia, nem sacrifícios, nem preceitos religiosos. É o momento do face-a-face com o Projeto de Deus. Com a sensibilidade em alta, este coração compreende também que não existem outras mediações: política, economia, propaganda, consumismo. A comunhão total com Deus leva à comunhão total das pessoas entre si, como diria o filósofo e teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662) “É o coração que sente Deus e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração”.
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