Quarta feira da Segunda Semana do Tempo Comum. Lembrando que este Tempo Litúrgico teve início no dia 13 de janeiro, após o Batismo do Senhor, e irá até o dia 23 de novembro, quando o último domingo do Tempo Comum, será dedicado à Solenidade de Cristo Rei do Universo. Esta solenidade marca o encerramento do ano litúrgico. Estamos apenas na segunda semana e, durante todo este percurso litúrgico, a Igreja Católica nos propõe refletir sobre os primeiros atos públicos de Jesus e sobre sua missão de anunciar o Reino de Deus. Com a reforma do ano litúrgico, ocorrida no Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja organiza e celebra os mistérios da fé cristã ao longo de um ciclo anual. Dividido em diferentes tempos e solenidades para nos ajudar a conhecer e refletir melhor sobre a Vida, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré, nosso Mestre e Senhor.
A chuva deu uma trégua aqui pelas bandas do Araguaia. Oportunidade para as nossas estradas de terra darem uma secada, nos muitos atoleiros ao longo dela. No lugar da chuva, o senhor sol, vem com carga total. É como se distribuísse um sol para cada pessoa. Nestas circunstâncias, nosso Araguaia fica convidativo, tentando a todos nós para um mergulho ao final da tarde. Difícil não sucumbir diante de tal tentação. Araguaia, por quem me apaixonei à primeira vista, abrindo-lhe o meu coração, a exemplo de Pedro, num dos versos de um de seus poemas: “Velhos de Esperança — tantas Luas cheias — eu o Araguaia já nos conhecemos, rios de um só rio ajeitando o curso entre Deus e o Povo”. (Junto ao Vosso Canto – Pedro Casaldáliga)
Depois de uma noite bem dormida, acordei ainda cedo, antecipando ao astro rei, para o nosso encontro costumeiro no meu quintal. Vários dos visitantes fizeram questão também de marcar a sua presença: papagaios, periquitos, sabiás, rolinhas, bem-te-vis, quatis, e até os enormes macacos bugios, com o seu som gutural de acasalamento. Todo o ambiente sendo tomado pelo cheiro deleitoso dos buritis, açaís, cajazinhos e jabuticabas. Como não rezar agradecido a Deus pelas suas dádivas, muito embora o contexto bíblico proposto pela liturgia para o dia de hoje, nos encaminha para outra direção; tudo por causa daqueles que se achavam serem eles os donos da Lei e da religião.
Mais uma vez, a velha história da controvérsia acerca do sábado. Os fariseus ficaram indignados com Jesus, porque Ele havia curado um homem num dia sagrado, num lugar sagrado (sinagoga). Todavia, aqueles dirigentes religiosos ficaram sem resposta diante do questionamento certeiro de Jesus: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” (Mc 3,4) Os legalistas fundamentalistas fariseus interpretavam ao “pé da letra”, os escritos do Antigo Testamento que assim definia: “O sétimo dia é o sábado (SHABBATH – dia de ‘descanso’, ‘cessação’, ‘interrupção’) do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas”. (Ex 20,10)
Os dirigentes politico-religiosos da Palestina do tempo de Jesus tinham um coração endurecido como pedra. Eram fieis cumpridores da Lei, mas à sua maneira de interpretá-la equivocadamente, conquanto seus privilégios e interesses de classe fossem salvaguardados. Eles se achavam os donos da Lei e da religião, enquanto o povo vivia num regime de opressão e segregação racial, fruto de uma sociedade desigual, injusta e desumana. Coração de pedra que foi denunciado, inclusive, pelo profeta Ezequiel, lá pelos idos dos anos 592 a 570 a.C.: “Darei para vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne”. (Ez 36,26)
No centro da ação de Jesus está o dom de uma nova consciência (coração de carne) inspirada pelo próprio Deus (espírito novo), para que o povo compreenda o projeto d’Ele e o coloque em prática. Coração endurecido que também temos nós, quando não enxergamos a realidade concreta em que vivemos, e continuamos com uma fé alienada, que não se envolve nas questões emergentes de sofrimento daqueles que estão à nossa volta. Em meio à controvérsia do sábado, Jesus, ao contrário, devolve a dignidade àquele homem, trazendo-o para o centro das evidências: “Levanta-te e fica aqui no meio!”. (Mc 3,3) Com esta sua atitude, Ele nos mostra que a Lei do sábado, como qualquer outra lei, deve ser interpretada como libertação e vida para a pessoa humana. Todavia, aqueles que defendiam a Lei a todo custo, arquitetam-se para planejar a morte de Jesus, ferindo frontalmente um dos principais mandamentos do decálogo: “Não matarás!” (Ex 20,13). Aqui não se trata apenas de não atentar contra a vida do outro; condena também qualquer sistema social que, pela opressão e exploração, reduz o povo a uma condição sub-humana, levando-o à morte prematura.
Comentários