Quarta feira de Cinzas! Estamos abrindo as portas de mais uma Quaresma: a quarentena na caminhada que nos levará à Pascoa do Cristo Ressuscitado. Estes dias, só tem sentido, em função do acontecimento pascal, razão maior de nossa existência enquanto seguidores e seguidoras d’Ele. Todo o trajeto a ser desenvolvido pela família cristã está mirando no acontecimento pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré. Caminhar nestes dias sem esta perspectiva, é perder-se no trajeto. A Ressurreição de Jesus deve ser o nosso horizonte maior, como nos alertara o apóstolo Paulo: “se Cristo não Ressuscitou, é vã a vossa fé”. (1Cor 15,17) Eis o núcleo central da fé cristã.
Quaresma pressupõe uma caminhada de conversão. Converter para converter ao projeto messiânico de Jesus de Nazaré. Converter é passar por um processo que a Bíblia chama de “Metanoia”. Esta é uma palavra composta pela junção de dois termos “meta”, que significa o que está acima e “noia”, que quer dizer que vem da raiz, da mente. Refere-se à transformação da mentalidade que prevalece na vida de uma pessoa. Assim, nossa caminhada com Deus depende dessa transformação porque só podemos caminhar com Ele se pensarmos como Ele pensa. Deixar o meu Eu ser invadido pelo Ser divinal de Deus.
Converter é predispor-nos a entrar na lógica e na dinâmica da concretude de Deus. Para o cristianismo, essa palavra possui um significado ainda mais intenso e profundo. Para os cristãos, “metanoia” se refere ao despertar de uma pessoa para Deus, o que pode ser tido como o processo de conversão à fé cristã, que requer uma mudança profunda, não somente da mente humana, mas nas atitudes, no jeito de ser pensar e viver a fé, no compromisso com Deus e os irmãos da caminhada. Conversão que São Paulo assim a definiu: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rom 12,2)
O Deus de Jesus é o Deus da amorosidade, misericórdia compaixão, plenitude da vida! Viver a fé cristã é adequar-nos à misericórdia, que abrange toda a nossa existência humana concreta, representada pelo corpo, como centro da vida e ação e da relação com Deus, com as pessoas e com o mundo. Fé sem esta dimensão conjunta é uma fé distorcida, alienada e descomprometida. Puro devocionismo. Cada um de nós deve oferecer a si mesmo, com o compromisso de levar adiante a proposta do Reino, que é vida nova na justiça para todos, todos, todos! Na caminhada vamos discernindo e aprendendo a distinguir a vontade de Deus para as nossas vidas. “Eis o tempo de conversão. Eis o dia da salvação. Ao Pai voltemos, juntos andemos. Eis o tempo de conversão!”
No tempo da Quaresma somos desafiados a viver a tripla dimensão que nos propõe a liturgia cristã: a prática da solidária da justiça, como gesto de partilha; a oração encarnada e comprometida com a realidade; a prática do jejum. Três aspectos fundamentais deste período quaresmal, rumo em direção à Páscoa d’Ele. Solidariedade embasada na justiça do Reino, onde todos sejamos iguais, fraternos, e gozemos da plenitude da vida que Deus quer para todos, indistintamente; oração que nos faz voltar para Deus, reconhecendo-o como único absoluto, reconhecendo-nos como criaturas, relativizando a autossuficiência; jejum não como um ato de privação do que comer, mas não permitir que o nosso eu egocêntrico, se sobreponha nas relações, mas deixar-nos sermos invadidos pela justiça do Reino. Como bem disse o nosso Papa Francisco: “O jejum não é somente privar-se do pão. É também dividir o pão com o faminto”.
Ao propor-nos sermos ungidos com a cinza sobre as nossas cabeças, na cerimônia desta quarta feira, significa que estamos dispostos a trilhar os mesmos caminhos de Jesus. Sermos um com Ele, para Ele e para eles, nossos irmãos e irmãs da caminhada. Tal desafio não é para qualquer um, principalmente para aqueles e aquelas que se apegam a um devocionismo sacramental das adorações piegas, das paredes frias dos templos e das sacristias. Como profetizou Isaías, que teria vivido entre os anos de 765 a.C. e 681 a.C.: “O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente” (Is 58,6-7) Viver a Quaresma é praticar a justiça de Deus! Converter para converter!
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