Quarta feira de Cinzas. Mais uma Quaresma chegou ao histórico da nossa vida. Este é um tempo litúrgico forte da Igreja Católica. Ocasião em que somos convidados, como integrantes desta Igreja, a desenvolver um percurso de conversão. Conversão como missão. Estabelecer metas e formas de melhor assumir a nossa caminhada de fé, indo ao encontro da proposta de Jesus de Nazaré. Um dos referenciais que nos servem de paradigma é aquilo que o profeta Joel já nos dizia lá pelos idos dos anos 400 a.C., no período persa, quando não havia rei nem monarquia. Dizia ele: “Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia”. (Joel 2,13) Ou seja, na compreensão do profeta, Deus não quer um rito puramente exterior, mas um profundo movimento transformador de conversão, porque Ele conhece a pessoa por dentro, e não somente pela aparência.

Estamos iniciando, portanto o Tempo Litúrgico da Quaresma. Período de quarenta dias que antecede a principal celebração do cristianismo: a Páscoa, a Ressurreição de Jesus de Nazaré, celebrada no Domingo de Páscoa, no dia 20 de abril. Esta é uma prática presente na vida dos cristãos desde o século IV. Especificamente, a Quaresma tem seu início na Quarta feira de Cinzas e termina antes da Missa Lava-pés, na Quinta-feira Santa. Como a esperança é a grande marca do cristão, este tempo da Quaresma também deve ser uma oportunidade de renovação dessa esperança. Como estamos em sintonia com o Ano Jubilar, o Papa Francisco, nos propõe uma reflexão sobre a nossa caminhada de fé sob o lema “Peregrinos de Esperança”, convidando-nos a percorrer este tempo de penitência com os olhos voltados para Deus e o coração aberto à transformação.

Aqui no Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos propõe, tendo início na data de hoje a Campanha da Fraternidade/2025. Neste ano, a CF vai abordar o tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema bíblico, extraído de Gênesis 1,31: “Deus viu que tudo era muito bom”. Esta experiência começou na Quaresma de 1962, quando foi realizada pela primeira vez a Campanha da Fraternidade na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Todavia, a partir do ano de 1964, a CF passou a ser uma ação nacional, vinculada ao Secretariado Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Desde então, a CF passou a ser coordenada pela CNBB. O primeiro tema da Campanha da Fraternidade foi: “Igreja em Renovação, lembre-se: você também é Igreja”. O principal objetivo de todas as campanhas sempre foi despertar a solidariedade dos cristãos e da sociedade a respeito de um problema real que atinge a sociedade brasileira, buscando caminhos e soluções para enfrentar e solucionar tais problemas.

“Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles”. (Mt 6,1) Num tempo em que somos desafiados a focar na nossa conversão pessoal e comunitária, o Evangelho proposto pela liturgia, para o dia de hoje, nos provoca para não vivermos uma fé (religião) de aparência, no intuito de mostrar aos outros o que estamos fazendo. Ao ensinar aos seus discípulos a não viverem demonstrando aquilo que eles são e estão fazendo no campo da fé, apenas para serem notados (vistos) pelos demais, desafia-os a serem autênticos e não viverem apenas de aparência. Ao falar de justiça, Jesus está se referindo às atitudes práticas do dia a dia em relação ao próximo (esmola), a Deus (oração), e a si mesmo (jejum). Na verdade, Ele não está negando o valor dessas práticas, mas mostrando como devem ser feitas para que se tornem autênticas.

Esmola (ação solidária), oração e jejum, são os pilares básicos deste tempo quaresmal. Todavia, estas três dimensões precisam ser entendidas na sua essência, para que não corramos o risco de vivê-las na superficialidade. Começando pelo último pilar, o profeta Isaías já nos deu uma dica valiosa para viver o jejum de forma consistente quando ele fala do jejum que agrada a Deus: “O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente”. (Is 58,6-7) O Papa Francisco, no entanto, foi mais direto: “O jejum não é somente privar-se do pão. É também dividir o pão com o faminto”.

Estar em sintonia com o projeto do Reino revelado por Jesus é procurar a Deus e praticar o direito e a justiça. Entretanto, essa procura pode ser mascarada por atos que parecem mostrar disponibilidade em realizar o projeto de Deus; e qualquer prática de piedade pode esconder um não-compromisso com a vontade de Deus. Ao contrário, a sinceridade se revela através da solidariedade com os oprimidos e da participação efetiva num processo de libertação. Só assim estaremos procurando a Deus, recebendo d’Ele uma resposta afirmativa, nos tornando co-construtores deste seu projeto: uma sociedade fundada no direito e na justiça. O que Jesus pede aos seus discípulos e a nós é que a nossa justiça seja superior à dos escribas e fariseus, de ontem e de hoje. “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês”. (Mt 6,33) Conversão é missão de cada dia: partilha dos dons e dos bens, oração encarnada e o jejum que agrada a Deus, na promoção de relações de partilha e fraternidade, visando uma nova sociedade.