Terça-feira do Tempo do Natal depois da Epifania. Deus se manifestando teofanicamente em sua plenitude em nós. Apenas a primeira semana de um ano inteiro que teremos pela frente. Por mais que digamos ser um ano novo, não há nada de novo nele. Novas são as atitudes que podemos assumir. Novas são as perspectivas, de quem se coloca em atitude de mudança, e quer fazer diferente, começando por si mesmo. Só mudamos as coisas, quando mudamos nós mesmos. O mundo não muda, sem que as pessoas mudem. A mudança começa em nós.
Mais um amanhecer na “Paulicéia Desvairada”, recordando o grande escritor Mário Andrade, um dos principais nomes do modernismo brasileiro e um dos responsáveis pela transformação da arte e literatura no país. Rezei nesta manhã, tentando me sentir um paulistano, contemplando o vai e vem dos carros apressados, e eu, a caminho da clínica onde farei um exame, para ver quantas andam o meu coração. A individualidade e o anonimato da cidade grande, é algo que assusta um matuto que vive à beira do Araguaia.
Enquanto aguardei pacientemente a minha vez de ser atendido, rabisquei estas palavras, refletindo o texto do Evangelho de Marcos, que a liturgia nos disponibiliza para o dia de hoje. Talvez um dos textos mais conhecidos do Novo Testamento: “a partilha do pão”. Algumas pessoas, inclusive, conhecem esta perícope como “o milagre da partilha”, realizado por Jesus, diante de uma multidão faminta.
O texto de Marcos começa dizendo que: “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão…” (Mc 6,34). A primeira atitude do Mestre Galileu, é deixar ser movido pela compaixão. Compadecer é “sofrer com”. É alimentar em si a virtude de compartilhar o sofrimento do outro. Ter compaixão é não ter indiferença, frente ao sofrimento do outro. É saber se colocar no lugar de outra pessoa e entender a situação que ela está vivendo naquele momento.
A multidão que o segue está faminta. Jesus sente a fome daquelas pessoas, e toma uma atitude como resposta àquela situação: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. (Mc 6,37) Atitude completamente diferente dos discípulos, que vêem aquela situação com indiferença: “Despede o povo, para que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar alguma coisa para comer”. (Mc 6,36) Evidente que Jesus não concorda e faz acontecer a partilha, com aquilo que eles tinham trazido.
O texto conclui dizendo que todos comeram (sem contar mulheres e crianças), e ainda sobraram doze cestos. Quando todos se juntam e partilham, o que cada um possui, todos se alimentam e ninguém fica sem. Este é o milagre da partilha. Uma sociedade que é capaz de partilhar, todos vivem com dignidade. Quem quer somente para si, não entende esta lógica do Reino, que é partilha para todos, todas.
Este contexto de Marcos vem logo após Herodes comemorar com a sua família, a morte trágica de João Batista. Enquanto ele celebra o banquete da morte com os grandes, Jesus celebra o banquete da vida com o povo simples e humilde da periferia. O grande ensinamento de toda a cena está no fato de que não é preciso muito dinheiro para comprar comida para o povo sofrido. É preciso simplesmente dar e repartir entre todos o pouco que cada um possui. Com esta sua atitude, Jesus projeta uma nova sociedade, onde o comércio é substituído pelo dom, e a posse pela partilha. Todavia, para que isso realmente aconteça, é necessário organizar o povo. Dando e repartindo, todos ficam satisfeitos, e ainda sobra muita coisa. A vida se torna melhor quando aprendemos a compartilhar, movidos por um coração de compaixão.
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