Quinta feira da Terceira Semana da Quaresma. Devagar vamos tecendo o nosso processo de conversão, sem esquecer que cada dia é um passo dado, ou não nesta direção. Engana-se quem afirma com todas as letras que já é um convertido ao cristianismo, uma vez que, não existe um patamar pronto e acabado desta conversão. Ela vai se dando na medida em que caminhamos, construindo um dia de cada vez. Uma exigência que se faz na permanência de quem se coloca na mesma estrada com Jesus, dando continuidade às ações e ensinamentos d’Ele. Para isto é necessário conhecê-lo para segui-lo. A reciproca também é verdadeira, segui-lo para conhecê-lo. Não existe um caminho pronto e acabado, como nos alerta o poeta espanhol Antonio Machado Ruiz (1875-1939): “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”.

Por falar em poeta, hoje é o dia em que comemoramos o nascimento de um deles, que partiu para a morada eterna recentemente: Affonso Romano de Sant’Anna (1937-2025). Escritor, poeta, cronista e colunista, Affonso morreu no dia 04 de março, aos 87 anos, vítima de Alzheimer. Mineiro como eu, este meu conterrâneo publicou mais de 60 livros. Era casado com outra escritora ítalo-brasileira: Marina Colasanti. Os mais antigos se lembram das suas crônicas bem elaboradas publicadas no Jornal do Brasil. Uma das estrofes de seu poema retrata bem o momento que ora estamos vivendo de nossa história: “Sei que a verdade é difícil, e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à Democracia pela ditadura” (“A Implosão de Mentir”)

Aliás, nestes dias últimos, estamos virando uma página obscura de nossa história. Nossa frágil Democracia ameaçada viu nesta semana a Suprema Corte do país, personificada no Supremo Tribunal Federal (STF), encher o nosso coração de esperançamento. Pela primeira vez em nossa história republicana, um ex-presidente está sentado na cadeira dos réus, sendo julgado pelos seus crimes contra o Estado Democrático de Direito e os poderes constituídos. Os que acompanhamos os horrores da ditadura militar, banhando de sangue a história de muitas famílias brasileiras, estamos nos sentido de alma lavada. Ainda estamos aqui! Ditadura nunca mais! Sem anistia! Eu tinha que viver para presenciar este momento histórico. Daqui, sigo com as palavras de outro poeta “Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um”. (Mario Quintana)

Ainda bem que somos sustentados pela fé que trazemos em nosso coração e que se personifica nas ações que vamos realizando, buscando a sintonia com as palavras de Jesus. Hoje a liturgia escolheu um texto aparentemente claro, mas ao mesmo tempo carregado de controvérsias e complexidades. Não bastasse o enfrentamento de Jesus com os fariseus e seus asseclas dirigentes político-religiosos da Palestina, hoje o Mestre está frente a frente com o demônio. Não é fácil lidar com esta entidade, já que o demônio é cada uma das entidades sobrenaturais maléficas presentes na tradição judeu-cristã. Lembrando que a origem da palavra diabo vem do latim “diabolôs”, que significa “demônio”, “entidade intrigante”. Para alguns estudiosos, no entanto, o termo “diabo” tenha sido originado do grego “diabolôs”, que neste caso significaria literalmente “acusador” ou “aquele que engana”.

Certo é que Jesus estava diante de uma destas entidades, que tornava o pobre homem mudo, sem poder se comunicar. Todavia, o mais intrigante é que ao libertar aquele homem de seu possuidor, mesmo admiradas com a ação de Jesus, aquelas pessoas estavam atribuindo esta mesma ação “a força demoníaca atuando em Jesus: “É por Belzebu, o príncipe dos demônios, que ele expulsa os demônios”. (Lc 11,15) Como se Jesus não fosse o digno representante da presença viva de Deus no meio deles. E ainda assim, pedem que Jesus lhes dê um sinal de que Ele era quem Ele era. Definitivamente, ao assim agirem, não reconhecem em Jesus o Messias, o Filho de Deus enviado.

“Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, dispersa”. (Lc 11,23) O símbolo principal do “demônio” é personificado naquele que, ao invés de somar, dispersa. Ao curar o homem endemoninhado, Jesus mostra que a sua ação principal consiste em libertar as pessoas da alienação que as impedem de falar. Com esta sua ação Jesus testemunha a chegada do Reino de Deus, pois para vencer Satanás é preciso ser mais forte do que ele. Mas Jesus é, ao mesmo tempo, a presença da salvação e do julgamento: quem não age com Ele, torna-se seu adversário. Este texto de hoje nos mostra que, pode ser que, alguns de nós que pensam estar com Jesus, são aqueles que se opõem a Ele, já que não disseminam com fidelidade suas ideias, seus ensinamentos e suas ações, prestando um grande serviço àquele que incorporou seus corpos e mentes: o demônio da mentira, o demônio da realidade virtual, do ódio, da indiferença, da inacessibilidade, do egoísmo, da falta de solidariedade com o coração misericordioso para com os pequenos, pobres e marginalizados. E você, de que lado está mesmo?