Com pedras na mão (Chico Machado)

Sexta feira da Quinta Semana da Quaresma. O outono vai dando os seus passos com sua estação característica. Depois de um sol escaldante no dia de ontem, a tarde encerrou-se debaixo de um temporal assustador, e a temperatura ganhou ares mais frescos. O outono com as suas surpresas, às vezes, nada agradáveis. Depois das mudanças climáticas, as estações auto definem-se com formas marcantes. Recorri ao poeta para definir este momento: “uma borboleta amarela? Ou uma folha que se desprendeu e que não quer tombar?” (Mário Quintana) Outono com cara de outono.

A escuridão se fazendo água correndo pelo chão. Por falar nela, hoje comemoramos o Dia Mundial da Água. Esta data foi sugerida na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, e passou a ser comemorada desde 1993. O objetivo deste dia é sensibilizar as pessoas a respeito não somente da importância da água, mas da sua preservação, para a nossa sobrevivência e também de outros seres vivos. Usar de modo sustentável é a urgência da necessidade de conservação dos ambientes aquáticos, evitando assim a poluição e contaminação. A cada ano a Organização das Nações Unidas (ONU) escolhe um tema a ser aprofundado com a comemoração do Dia Mundial da Água. Para este ano o tema é “Água para a Paz”, já que a água nos Une e o Clima nos Move.

Falar de água é falar do nosso Araguaia, rio que corre veloz em minhas entranhas, sacudindo os sonhos bons da paixão que me nutre e me une a ele. Mesmo caindo uma tenra garoa, me fiz presente com Pedro, rezando junto dele a oração da manhã, com o meu olhar se estendendo até o Araguaia. Por acaso veio-me a mente um dos textos de Pedro, que o recitei em forma de oração: “Nossas Causas Maiores são o motivo e a razão para viver, e para morrer, se necessário. Somos as Causas que Amamos”. Dentre as causas que amo, e sigo dando a vida por elas, está inevitavelmente à causa indígena, razão maior de minha estada por estas bandas, tendo o Araguaia como cumplice de minhas utopias vividas. Assim, vou tentando traduzir aquilo que fora dito por Jesus em João: “Sem mim nada podeis fazer”. (Jo 15,5) Sem Ele e sem as minhas causas, nada sou, pois sou as causas que amo.

A vida de Jesus na Palestina de seu tempo não foi nada fácil. Hoje Ele está tendo mais uma de suas provações. O texto joanino de hoje começa dizendo que: “os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus”. (Jo 10,31) As lideranças religiosas, já com pedras na mão, para matar Jesus. Lembrando que o apedrejamento, como pena de morte, era uma prática comum no Antigo Testamento. O apedrejamento na Bíblia era uma forma de punição severa para crimes considerados graves. A pessoa “condenada” era levada a um local público, onde era apedrejada até a morte por uma multidão. Geralmente, as testemunhas do crime, eram as primeiras a lançar as pedras, sem dó nem piedade.

A tentativa de apedrejar Jesus nem foi por causa das obras que Ele havia realizado no meio deles, como eles mesmos disseram: “Não queremos te apedrejar por causa das obras boas, mas por causa de blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!”. (Jo 10, 33) Definitivamente, eles não aceitavam que Jesus fosse alguém enviado por Deus, muito menos que se colocasse no mesmo plano de igualdade à Ele, falando e agindo em nome do Pai que o enviou. Para as autoridades religiosas judaicas, em Jesus não acontece a Revelação de Deus, fazendo d’Ele o Messias encarnado na realidade humana. Para estas autoridades, o fim de Jesus é a morte, pois era um blasfemador.

Jesus era o homem Deus, vindo de Deus como Filho d’Ele, completando assim em si a Trindade Santa, composta de Pai, Filho e Espírito Santo. Blasfemadores eram os religiosos do tempo de Jesus, que usavam e manipulavam a religião para enriquecerem-se injustamente, e explorarem os pequenos, pobres e marginalizados. Eles com pedras na mão e Jesus se transformando em uma pedra em seus sapatos, pois, com sua palavra e ações, denunciava aquele tipo de sociedade que estava atrelada à religião e, por este motivo, eles desejam o fim de Jesus, apedrejando-o.

Jesus define sua condição de Messias, apresentando-se como o Filho de Deus e realizando ações libertadoras. Muitos de nós, ainda hoje, estamos apedrejando Jesus. Muitas pedras estão sobre nossas mãos, com as nossas tentativas de julgar e condenar as pessoas que buscam o seguimento de Jesus de forma mais coerente e consciente. O Padre Júlio Lancellotti, que o diga! Muitos padres, bispos, influenciadores, com pedras nas mãos, julgando e condenando o Papa Francisco, a CNBB, por causa da Campanha da Fraternidade que trata do tema da “Amizade Social”, inspirada na “Fratelli Tutti”. Nossa sociedade, de maneira geral, vem se tornando cada vez mais raivosa, com pedras em punho, movidos pelo ódio, com as pessoas prontas a apedrejar quem defende os direitos humanos, as causas indígenas, as famílias de trabalhadores rurais, as pautas LGBTQIA+, as populações de rua. Já passou da hora de libertar o nosso coração para amar e livrarmo-nos as nossas mãos para que livres, possamos produzir gestos concretos solidários de libertação.

Luiz Cassio

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