Ela e eu
Aprendi a conhecer a Mãe de Jesus ainda muito cedo na minha vida. Foi a minha mãe que apresentou ela a mim. Ainda no berço de criança, fui sendo introduzido no Mistério da Mãe de Deus. Minha mãe, uma mulher humilde e semiletrada, se encarregou de fazer chegar até aquela criança que eu era, aquela que seria a Mãe de toda a humanidade, pois também era a Mãe de Deus. Eu não entendia quase nada daquele Mistério, mas a minha mãe fazia transparecer em si, o rosto materno daquela outra Mãe que estava mais além. Ela fez com que eu me apaixonasse por esta outra Mãe, pois de seu rosto humilde, transfigurava a presença da Mãe de Jesus.
Ensaie os primeiros passos de minhas orações ali no berço, rezando com as Ave-Marias de cada noite antes de dormir. Também fazia parte as Salve-Rainhas, completando aquele simples ritual, antes de cada noite dormida o sono feliz e os sonhos de criança. Sabia que a Mãe-Rainha estava presente, acompanhando toda a noite, juntamente com ela, como mãe pobre que era, certamente dormia matutando aquilo que faria no dia seguinte para que a nossa vida transcorresse o seu curso normal. Assim, caminhava eu no berço da mãe que me gerara e no colo daquela que, mesmo à distância, estava ali ninando a mim e os meus irmãos em seu regaço protetor de Mãe de Jesus.
Fui crescendo e adentrando ainda mais no mistério que significava a Mãe de Jesus para mim. Ela era presente a todo tempo da minha caminhada histórica. Eu não tinha dificuldade de entender as coisas de Deus no que diz respeito a Mãe de Jesus, porque minha mãe era a inspiração maior para entender aquele mistério. No seu tempo histórico e nas suas ações de mãe, na nossa família, conseguia eu perceber e sentir a presença viva de Deus no meio de nós. Uma mãe humilde, que se entregava toda inteira, pelas causas da família, fazendo de seu jeito simples de ser, uma serva da caminhada na vida de cada um de nós, filhos daquela família.
Mais tarde fui adquirindo intimidade com a Mãe de Deus. Conhecer a sua história de vida foi me ajudando a encontrá-la na caminhada de minha vida. Aquela mulher simples, humilde e pobre, escolhida para fazer parte do Projeto de Deus, fez-me entender que o caminho traçado por Deus passa, necessariamente, pelos pequenos. Ela, moradora de uma vilazinha da periferia de Nazaré, fora a predileta de Deus. De Nazaré para o mundo. Aquela mulher, mesmo sem entender tudo o que estava previsto para acontecer em sua vida, se faz Serva e se entregou confiantemente nos braços do Pai, permitindo que acontecesse em si, a vontade de Deus e sua Palavra. Maria é aquela que acreditou até as últimas consequências. De seu ventre vem para nós o Salvador.
A vida transcorria o seu percurso natural. Aportei em Aparecida em 1977. Um jovem cheio de planos e ideais múltiplos, chega ao Seminário Santo Afonso. Estava no segundo ano do Ensino Médio. Naquela época se dizia colegial. Estudávamos todos internamente. Os professores é que se deslocavam até nós. Um tempo profícuo de estudos. Aproveitei ao máximo a minha estada ali, graças aos excelentes professores que dispúnhamos. Até o latim fazia parte de nossa rica Matriz Curricular. Foi nesta época que fui apresentado a Mãe Negra de Aparecida. Vasculhei todos os arquivos para conhecer de perto a história da “Aparição” daquela que veio complementar a minha devoção mariana. A paixão por esta grande mulher só aumentava, principalmente depois que passei a conhecer melhor a História do Brasil, e o que significava aquele período histórico, com o massacre dos negros no calabouço. A Minha Mãe Negra de Aparecida, veio dar uma resposta solidária, a tamanha crueldade para com a população negra. Uma Mãe Negra, se fazendo presente no processo de libertação de toda forma de escravidão.
Já padre ordenado, vivendo os primeiros anos de minha caminhada presbiteral, encontrei aquele que veio me mostrar um outro rosto da Mãe de Deus. Desembarcando na Prelazia de São Félix do Araguaia, deparei-me com Pedro, que também, na sua simplicidade de pastor à frente daquela Igreja, fez-me relacionar com a Mãe de Jesus de Nazaré de forma muito original. Para ele, Maria era tão somente a “Comadre de Nazaré”. Simples assim! Como ele, passei a ver a Mãe de Jesus não como aquela mulher rodeada de dogmas e adjetivos mil, mas tão somente como a mulher simples, como toda mulher pobre do vilarejo de Nazaré. Não uma mulher distante e longe dos olhos, mas como muitas Marias, mulheres simples do povo, cada qual a seu modo, servindo a Deus anonimamente, inclusive nos umbrais de nossa Igreja, mesmo sem serem reconhecidas em seu valoroso trabalho pelo Reino. Em cada uma delas, vejo Maria, a Mãe de Jesus. Em cada uma delas, vejo a minha mãe que, com a ajuda de Deus, plasmou-me no seio deste Cosmo, me fazendo ser quem sou. No meu coração bate o coração da Mãe de Jesus. Em minhas veias, corre veloz o sangue da minha mãe, fazendo com que em mim, haja um coração materno, sensível às causas dos pequenos, sobretudo à causa dos povos indígenas.
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