Coisas escondidas (Chico Machado)

Terça feira da Primeira Semana do Advento. Nossa missão é esperançar com o sonho de Deus, projetado na pessoa de seu Filho, o Verbo encarnado no meio de nós. (cf. Jo 1,14) Deus cumprindo a sua promessa, estabelecendo a Nova Aliança. Advento é tempo de preparação para a vinda Daquele que vai chegar! Mais uma vez, Deus fazendo acontecer, na pessoa de uma criança humilde e simples da periferia de Nazaré, seu projeto de amor, onde a vida plena para todos e todas é o seu sonho maior. Tempo de esperançar na fé, para que possamos construir no aqui e agora de nossa história, o Reino de paz e justiça. Esperar fazendo e acontecendo, confiantes de que o Deus da vida está no meio de nós.

Neste início do Advento, a Igreja Católica está em festa. Celebramos hoje a memória de São Francisco Xavier (1506-1552). Viveu apenas 46 anos, mas o suficiente para torná-lo um grande homem evangelizador. Espanhol de nascimento, seu zelo missionário, levou o Evangelho ao Extremo Oriente, traduzindo-o e caminhando com as populações simples e carentes daquela região do globo terrestre. Conheceu pessoalmente Santo Inácio de Loyola, formando juntos em teologia. Francisco Xavier foi beatificado por Paulo V, em 1619, e canonizado por Gregório XV, em 1622. Uma das frases ditas por Francisco diz muito acerca do momento litúrgico de hoje: “Que ninguém alimente a ilusão de pensar distinguir-se nas coisas grandes, se de antemão não se distinguir nas coisas simples”.

Simplicidade que tivemos a oportunidade de acompanhar na vida do Padre Antônio Canuto, que nesta madrugada, fez a sua páscoa, indo ao encontro definitivo com o Pai. Canuto foi uma dos históricos da nossa Prelazia de São Félix do Araguaia, sendo um dos pioneiros, na chegada por aqui, com nosso bispo Pedro. Foi também um dos articuladores, entre outros Agentes de Pastoral, juntando suas mãos, mente e coração, a mão certeira de Pedro, na escrita da Primeira Carta Pastoral: “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”, que nos seus 53 anos, continua atualíssima. Canuto veio a óbito na madrugada desta terça feira (03), em Goiânia, onde residia com a família. No sábado passado (30), falei com ele ao telefone, que me contou sobre o lançamento de seu próximo livro, sobre a vida do Padre Severino e sua luta incansável pela terra, junto a CPT e MST.

Canuto sempre foi uma pessoa de bem com a vida. Suas sonoras gargalhadas era uma de suas características. Um batalhador, que soube dar a sua vida pelas causas do Reino, seja aqui na Prelazia, na Comissão Pastoral da Terra (CPT), seja por onde passou. Sempre muito lúcido, quanto a uma leitura atualizada e encarnada do Evangelho. Para quem não teve o privilegio de com ele conviver, sugiro a leitura de um de seus livros, “Ventos de profecia na Amazônia: 50 anos da Prelazia de São Félix do Araguaia”, lançado em 2021. Este livro narra a forma de organização interna da Igreja, em que bispo, padres, religiosas e leigos tinham voz e voto. Todas as decisões eram tomadas em conjunto e o bispo as assumia numa postura democrática. Canuto vai ser sepultado em Santa Terezinha, na beira do Araguaia, como era um desejo seu. Padre Antônio Canuto, presente na caminhada!

As melhores coisas da vida são encontradas nos instantes mais simples que vivemos. A natureza, em sua simplicidade, revela a essência da vida. Simplicidade que é expressa também na fala do próprio Jesus, que Lucas nos relata em seu Evangelho de hoje: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado”. (Lc 10,21) As “coisas de Deus” que são escondidas aos que se julgam sábios e inteligentes. Ter acesso às coisas de Deus passa, necessariamente, pela simplicidade, humildade e desapego das grandiosidades da vida. Uma hermenêutica (interpretação) diferente de ver as coisas pela ótica dos pequenos, pobres e marginalizados, os sem vez e sem voz.

Os que se acham sábios e inteligentes não são capazes de perceber a presença do Reino e sua justiça, através da pessoa de Jesus. Ao contrário, os desfavorecidos e os pobres é que conseguem penetrar o sentido mais profundo dessa atividade de Jesus, dando continuidade a ela, sendo os nossos evangelizadores. Eles e elas, os pobres, é que conseguem ver em Jesus, alguém que veio tirar a carga pesada que os sábios e inteligentes colocam sobre o povo. As coisas de Deus estão presentes na palavra e ação de Jesus, que inaugura um novo modo de viver na justiça e na misericórdia. A partir de então, os pobres são evangelizados e partirão para evangelizar. Foi pensando assim que a Conferencia Episcopal de Medellín (1968), inaugurou um novo modelo eclesial, adotando a “Opção Preferencial pelos Pobres”, sendo uma Igreja pobre para os pobres e descartados. As coisas simples estão presentes na arte de quem sabe perceber a riqueza dos pequenos detalhes. É na simplicidade das pequenas coisas da vida que Deus se faz revelar por inteiro.