Tenho escutado, com raridade, as lendas ou os mitos que, na minha avaliação, camuflam preconceitos e coisas muitas, diante de figuras humanas, que moram em cidades pequenas, um tanto isoladas dos grandes centros urbanos.
No meu tempo de criança, ouvia histórias acerca de pessoas que pareciam estranhas ou tão diferentes das demais ou doentes que, ao redor delas, pairavam dúvidas e até explicações sobre seus comportamentos noturnos.
Até chego a pensar nos doentes curados por Jesus. Os estudos atuais da história da medicina e da sociologia explicam que as doenças físicas e, principalmente, as mentais, não eram atos dos “demônios”, como acreditavam, mas como se entende hoje, com o aprofundamento dos conhecimentos, que as doenças devem ser tratadas e cuidadas.
Sabemos que no contexto das andanças de Jesus, a obra salvadora dele se voltava, prioritariamente, para doentes de todos os tipos, que eram marginalizados e estigmatizados pela religião dos “puros”. Estes, nem podiam ser contados como amigos e parceiros de fé, mas, o que era pior, eram vistos como castigados por Deus.
Homens e mulheres excluídos e condenados pelo tribunal da língua do povo e identificados como bichos, com poder maligno. Portanto, devia-se ficar longe deles. Jesus não compactuava com tal postura e contestava, procurando-os para curar. Subliminarmente, as dessemelhanças das ações diabólicas parecem estar nesses contos de gente que vira bicho. Vejamos dois casos correlatos com os Evangelhos.
Além das histórias mais comuns daqueles que viram porco durante as noites, podemos inferir que o “endemoniado”, com mais de sete espíritos imundos, (Marcos 5, 11) estavam no homem que se feria e vivia na região dos mortos. Sabe-se que, segundo os judeus fanáticos, não só estavam condenados por Deus, mas possuídos por demônios. Quando Jesus o curou, os “espíritos imundos” entraram na vara de porcos, que eram vistos como bichos impuros, segundo o livro de Levítico. Jesus derrotou a mentalidade da doença que pregava a possessão dos demônios como castigo.
Longe da convivência social estavam estas pessoas que Jesus mostrava que com seu amor solidário e libertador, ninguém escapava do amor de seu Pai e não deviam ficar fora da comunidade por causa da religião.
Chamo a atenção para um caso de um homem de sucesso que virava cavalo. Certa noite, o meu interlocutor viu sair do lago, uma manada de cavalos. Ele ligou essa visão com os muitos comentários sobre um certo comerciante, que diziam ter pacto com o diabo para ficar rico. O sucesso do homem era atribuído ao demônio.
Fatos tentam se explicar. Um acontece de noite, assombrando as casas que ficavam nas ruas da cidade. O barulho do trote dos cavalos, o som dos cascos nas pedras e nos cascalhos das ruas. Ninguém tinha coragem de abrir a janela para ver o que estava acontecendo.
O outro fato tem a ver com a riqueza daquele que tinha pacto com o satanás, enquanto os outros comerciantes tinham dificuldades de receber as mercadorias de Manaus, com perdas de caixas, desabastecimento, atrasos dos navios e perigos sem conta rondavam os “leais” comerciantes. Mas para o Cacro (nome fictício) os negócios iam sempre muito bem e me pareceu que tinha contato com o demônio, mas não roubava.
Quem me contou essa história, em diálogo comigo, não acredita na força do demônio, mas sim que a inveja, o furto no peso e no preço é a assinatura mais provável para se ter parte com o demônio, porque tirava dos pobres a fim de se enricar mais e mais com o “diabo” da injustiça. Ninguém estava imune desse tipo de possessão ou “castigo”, pois a ganância sem limite, à custa do suor dos humildes, conspira contra o “sucesso” daqueles que fazem força como cavalo para transformar a injustiça em justiça.
“Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. Se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo…é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus.”
“Onde o reinado de Deus vai abrindo caminho, vai-se construindo comunicação, solidariedade, comunhão e fraternidade” (Pagola, obra citada)
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