Terça feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum. Neste 226º dia, caminhamos para meados de agosto. A vida pede passagem, neste nosso embarque na máquina do tempo, rumo às nossas realizações. Cada dia que passa, deixamos registrado no livro da história, um pouco de quem somos nós. Uns mais atentos à convivência fraterna na comunidade da família humana; outros apegados aos seus interesses mesquinhos particulares, perdendo assim a grande chance de interligar com o todo, na perspectiva a qual Deus nos criou: “nele foram criadas todas as coisas, tanto as celestes como as terrestres, as visíveis como as invisíveis: Tudo foi criado por meio dele e para ele”. (1 Col 16) O Deus invisível e inatingível se torna visível e acessível em Jesus, o Filho que se encarnou no mundo e na história.
Na Quarta Semana Pedro Casaldáliga, que encerramos ontem, não poderíamos deixar de mencionar o ocorrido, naquela manhã de quarta feira, do dia 12 de agosto de 2020. Pedro, sendo sepultado no cemitério dos Iny (Karajá), às margens do Araguaia. Isto depois de ser velado, com muita emoção, no Centro Comunitário Tia Irene, aqui da Prelazia de São Félix. Antes de o cortejo iniciar, os Xavante, fizeram o seu ritual cultural fúnebre, despedindo-se daquele que chamavam de “o guardião das causas indígenas”. Impossível não se arrepiar e chorar junto com eles, naquele ritual, sentados no chão em volta do caixão. Depois deste momento sagrado, os Wapté (adolescentes Xavante), pintados a rigor, conduziram o caixão ao cemitério.
A voz calada do profeta. Os passos interditados da profecia, de quem se fez um com todos os sofredores destas terras. Pedro sendo conduzido para o destino terrestre a que desejou estar, contemplando as águas do Araguaia, a quem declamou em prosa e verso. Caminhos de profecia, que serão traçados e continuados por todos aqueles e aquelas que o conheceram e o identificaram como o “Servo Sofredor“. Caminhos de profecia, que acontecem agora através de seu legado, levado adiante por todos aqueles e aquelas que fazem suas causas serem mais importantes que as suas vidas. Pedro vive no sonho de vida fraterna e pão partilhado, na mesa eucarística da vida. Mesa da irmandade dos Mártires da Caminhada. Profecia que não se cala.
Pedro vive no sonho da Irmã Dulce dos pobres, que hoje celebramos a sua memória viva. Ela que nasceu, em 26 de maio de 1914, em São Salvador/BA. Ingressou na Ordem Terceira Franciscana e posteriormente, na congregação dos Missionários da Imaculada Conceição, fazendo parte da grande família franciscana. O nome Dulce, assumido por ela, foi em homenagem a sua genitora. Depois de toda uma vida dedicada aos pobres, morreu doente, em 13 de março de 1992, em São Salvador. A “Mãe dos Pobres” e o “Anjo Bom da Bahia” foi canonizada em outubro de 2019, pelo Papa Francisco. Devoto da Irmã Dulce, vejo no Padre Júlio Lancellotti a versão masculina desta freira. Ele que traçou os seus caminhos de profecia ao lado dos sofredores empobrecidos em situação de rua, na capital paulista.
Caminhos de profecia que a liturgia desta terça feira escolheu para nós, com um dos textos de Mateus. Este evangelista é aquele que apresenta Jesus como o Messias que realiza todas as promessas feitas no Antigo Testamento, ultrapassando todas as expectativas terrenas e materiais de seus contemporâneos. O texto escolhido para hoje é retirado do capitulo 18, em que Jesus faz o “Discurso eclesial”, traçando assim as características fundamentais que o seu discipulado deveria assumir no seguimento d’Ele: “se não vos converterdes, e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus”. (Mt 18,3-4)
Lembrando que no tempo de Jesus, as crianças, junto com as mulheres, faziam parte do grupo dos marginalizados e excluídos. Nem sequer eram contados. Jesus traz a criança para o centro, assim como fez também com as mulheres, tornando-as destinatárias e protagonistas do processo da evangelização. O discípulo deve ser como a criança, isto é, converter-se, mudar de mentalidade, de atitude e conduta. O discípulo, a discípula, devem também saber acolher os pequeninos e não os desprezarem, porque têm a prevalência de Jesus, na construção do Reino. Os caminhos da profecia passam necessariamente pelos caminhos dos empobrecidos. O discipulado não deve reproduzir a lógica de uma sociedade que se baseia na riqueza, no poder e no prestígio, mas estarem dispostos a pertencer a um grupo que acolhe fraternalmente Jesus na pessoa dos pequenos, fracos e pobres. Façamos o caminho da profecia seguindo o exemplo da Irma Dulce que nos aconselha: “Habitue-se a ouvir a voz do seu coração. É através dele que Deus fala conosco e nos dá a força que necessitamos para seguirmos em frente, vencendo os obstáculos que surgem na nossa estrada”.
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