Nem o nome eu sabia daquela mulher que apareceu da sombra na curva da rua. Parecia que vinha carregando um caixote com bilros de madeira para tecer a renda na casa da vizinha, naquelas caatingas do Rio Grande do Norte. Uma atividade artística aprendida no Ceará.
Eu queria saber como se fazia renda. Encontrei uma idosa que passou a vida fazendo bilros com semente seca de buriti e vinha cantando “Mulher rendeira”.
Casou três vezes, porque aprendeu muito a namorar. Deu muita dor de cabeça aos maridos que a chamavam “cabeça de bilro”. Não sei se namorou o Lampião ou se foi uma versão mais suave de mulher do que a Maria Bonita.  
“Lampião desceu a serra / Foi dançá em Cajazeira / Encontrou Maria Bonita / Que virou mulé rendera /  Tu me ensina a fazê renda / Eu te ensino a namorá”.
Fui atrás da história da Maria Bonita Nº 2, a dona “Cabeça de Bilro”. Minha pesquisa se misturou com a imaginação e elaborou a seguinte versão, cheia de mágicas e indignação. Fui a uma fabriqueta de renda, uma falsa cooperativa com patrão e recebi uma aula, mas não aprendi a namorar e nem fazer renda.  Você sabia que é uma técnica artesanal consistindo em entrelaçar ou recortar fios de algodão, linho ou capim dourado do Tocantins, formando desenhos variados, geralmente de aspecto transparente ou vazado. A magia é levar o fio, agarrado no bilro. Assim vai nascendo a renda e se desenvolvendo, através de agulhas e ou espinhos, cujo trançado vai dando forma de beleza artesanal inimaginada. Nem eu entendi direito. É preciso praticar para aprender, não dando para explicar, sem pôr o dedo na cabeça do bilro e mergulhar entre as linhas.
Aprendendo a fazer renda, desde pequena a “Dona Cabeça de Bilro”, apesar da brabeza danada, conseguia conversar com as palmeiras de buriti e conseguia as sementes para fazer os melhores e pesados bilros da redondeza. Foi uma das mais antigas “cooperadas” da região, dançarina esbelta, quando nova, namoradeira que trazia os homens pela coleira.  Ágil no manejo do bilro e na discussão com o patrão e com o padre comprador de toalhas dos altares..
Certa vez, o padre da Igreja encomendou toalhas que deviam ter desenhos de borboletas esvoaçantes e cruzes de várias cores. O patrão da oficina cuidou de ir comprar os fios coloridos para tecer as toalhas de renda. A “Dona Cabeça de Bilro”, teimosa que era, disse que iria tingir os fios, que não era preciso ter um “atravessador” para aquela encomenda do vigário. Assim começou a briga, favorável para as mulheres, porque já fazia tempo que elas não queriam ser comandadas por homem que lucrava mais do que elas.
O padre da Paróquia de Nossa Senhora Aparcida, tendo observado a confusão, disse que ia à cidade próxima buscar os fios, mas se bandeou para o lado do patrão, dando desgosto para as mulheres. Revolta certa aconteceu: as mulheres rendeiras ficaram contra o padre e o patrão.
A decepção das mulheres foi perder a encomenda do padre que procurou outras mulheres para fazer as toalhas. Foi nessa hora que a Dona Cabeça de Bilro ficou indignada e começou a articular o movimento das mulheres rendeiras da cidade para não trabalharem mais com o patrão e nem no controle do padre. Vejam o que aconteceu.
Na festa de Nossa Senhora Aparecida, as mulheres entraram na igreja e protestaram contra o patrão e o padre. O povo aplaudiu e o padre se juntou a elas. Cedeu o salão paroquial para o artesanato de renda e a cidade passou a ter o primeiro projeto social apoiado pela igreja, mas sem patrão.
As mulheres foram lideradas pela “Cabeça de Bilro” que fora eleita a Prefeita da cidade. O patrão se mudou para explorar em outra freguesia.
Os símbolos da luta tornaram-se a borboleta e o bilro. E foram felizes e mais ousadas para maior emancipação, mas sem perder o compaheirismo dos seus maridos e a continuar sobre a proteção da Mae de Jesus.

VIVA NOSSA SENHORA APARECIDA! (12.10.2024)

(Inspiração nos projetos sociais das histórias vida do autor deste blog) TODA GRATIDÃO!