Sexta feira da Oitava Semana do Tempo Comum. O mês de maio termina sextando, carregando em si a estação do outono, que se caracteriza pela transição climática das temperaturas quentes do verão, para o clima mais frio do inverno. Enquanto lá fora as temperaturas despencaram, aqui pelas bandas do Araguaia, durante o dia, o sol reina soberano, enquanto as noites são um pouco mais frias que o normal. O Araguaia segue perdendo suas águas, enquanto isso, em meu quintal, as arvores continuam sendo despidas, com suas folhagens depositadas a seus pés. Lembrei-me de um dos escritos do filósofo e romancista argeliano Albert Camus (1913-1960): “Outono é outra primavera, cada folha uma flor”.
Sexta feira de uma festa importante de nossa liturgia católica: Festa da Visitação de Maria de Nazaré à sua prima Isabel. Festa esta que passou a ser celebrada no século XIII, pelos Franciscanos. Anteriormente era celebrada no dia 2 de Julho, porém, no novo calendário litúrgico, foi antecipada para o dia 31 de Maio, ficando assim entre a Solenidade da Anunciação (25 de Março) e o Nascimento de João Batista (24 de Junho). Logo após a Anunciação, Maria foi visitar sua prima Isabel, partilhando com ela a alegria que trazia em seu coração, por ser escolhida por Deus para ser a Mãe do Salvador. Para o evangelista Lucas, Maria é a verdadeira Arca da Aliança, a morada de Deus entre a humanidade.
Duas grandes mulheres! Essas mulheres benditas! Maria e Isabel acolhem em seu ventre materno a ação libertadora de Deus. Maria acolhe, dando o seu sim, aceitando ser e fazer parte do projeto salvador de Deus. Isabel acolhe e gesta em seu ventre o Precursor. Ambas experimentam a ação poderosa do Espírito Santo, mesmo não tendo a dimensão exata deste gesto de entrega. Isabel traz no ventre o profeta que vem fechar o Antigo Testamento. Graças a essa presença profética, proclama bendita Aquela que acreditou: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu”. (Lc 1,45) Por seu lado, Maria responde a saudação de Isabel com o Magnificat (Lc 1,46-55), que revela a ação poderosa de Deus na pessoa dela.
Podemos dizer que o Magnificat é a primeira manifestação pública de Jesus, ainda abscondido nas entranhas de sua Mãe, mas atuante naqueles que, como Maria, o acolhem na fé e com amor. Estamos diante de uma das mais belas páginas de todo o Novo Testamento. A amorosidade de um Deus que muito ama, presente na relação de duas mulheres exponenciais. De um lado uma mulher já avançada na idade (Isabel), que se coloca nas mãos de Deus, aceitando fazer parte do mistério da Encarnação. De outro, Maria que enfrenta uma sociedade estruturada no machismo patriarcal, colocando-se como protagonista, sendo a voz e vez de todas as mulheres que lutam.
A visitação de Maria a Isabel é mais do uma visita de cortesia entre duas mulheres grávidas. É, na verdade, o encontro teológico teofânico entre o profeta que fecharia o ciclo do Antigo Testamento, abrindo as portas da Nova Aliança que inauguraria com o Novo Testamento. O Profeta Precursor, anunciando o Messias Salvador. Deus se fazendo presente na humanidade, estabelecendo sua morada definitiva no meio de nós. A visita da Mãe à prima, mostrando-nos que a relação entre as duas mães está ligada à Anunciação, não só pelo clima humano, cheio de gestos de serviço, mas porque se torna a verificação do “sinal” dado pelo Anjo a Maria. A manifestação do menino João no seio de Isabel representa a exultação de todo o povo de Israel pela vinda do Salvador. As palavras inspiradas pelo Espírito, dirigidas por Isabel à Maria, são prova da ação de Deus àquelas mulheres benditas.
O texto Lucano deste evangelho de hoje encerra com Maria, inspirada pelo Espírito, pronunciando as palavras proféticas do Magnificat. Este cântico de Maria é o cântico dos pobres que anseiam pela libertação e reconhecem a vinda de Deus para libertá-los através de Jesus. Todas as promessas, feitas aos patriarcas no passado, são cumpridas, com Deus assumindo o partido dos pobres, e realizando a grande transformação histórica, invertendo completamente a ordem social injusta: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem a direção dessa nova história.
Duas mulheres benditas que souberam acolher a proposta de Deus para elas e se colocaram à disposição para o serviço, com entrega total de si mesmas. Há muito que aprender ainda com este texto de hoje. Se antes, Deus fez questão de contar com as mulheres, para inaugurar o seu projeto salvador, em nossas comunidades, elas continuam sendo relegadas a seres sem vez, sem voz e sem poder algum de decisão na instituição eclesiástica. As mulheres são consideradas “meras figurantes”, enquanto os homens continuam como senhores de si, mandando e desmandando, ignorando por completo o sonho de Deus, com o protagonismo das mulheres. Sem a participação delas, o sonho de Deus não existia para nós, pois foi através delas que Deus faz questão de adentrar as portas da humanidade. Nestas horas é sempre bom lembrar-nos do que nos disse o Livro do Eclesiastes: “Assim como você não conhece o caminho do vento, nem como o corpo é formado no ventre de uma mulher, também não pode compreender as obras de Deus, o Criador de todas as coisas”. (Ecle 11,5)
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