Quarta feira da 24ª Semana do Tempo Comum. Já sentimos a primavera, que já vem adentrando o nosso campo visual. Dentro de quatro dias, ela estará aqui conosco, já que no dia 22 de setembro às 09h44, ela se fará presente aqui. Os ipês já denunciam a sua presença, numa coloração viva de amarelo, rosa, roxo e branco. Miraculosamente, driblaram as labaredas de fogo e permaneceram vivos, numa verdadeira manifestação de Deus (Teofania). Impressiona saber que as flores só brotam depois da queda de todas as suas folhas. Creio que isto nos remete a uma lição para as nossas vidas: mesmo combalidos, somos capazes de ofertar flores multicores?
A natureza, em sua simplicidade, revela a essência da vida. Este foi um dos primeiros ensinamentos/aprendizado, não obtido nos longos anos nos bancos das universidades, mas no contato direto com a Mãe Natureza. Foram os indígenas que me colocaram em sintonia com ela. Lembro-me da primeira vez que pus os meus pés numa aldeia indígena, e o cacique convidou-me a tirar as sandálias dos pés, pois aquele chão sob os meus pés era sagrado. Andando com um dos pajés pela mata, este me perguntou: “você está escutando a floresta?” Atônito, disse não! Daquele momento em diante, minha sensibilidade foi crescendo e eu aprendi a ouvir o grito da terra.
A natureza está gritando pedindo ajuda e nós precisamos ouvi-la, antes que seja tarde demais. Ontem foi o dia mais quente por aqui, e também o mais enfumaçado. Tanto o sol ao se por, quanto a Lua nascendo, estavam em formato de uma grande bola de fogo. Um se pondo de um lado e a outra nascendo do outro. Centenas de aves já não se fazem presentes por aqui, já que o fogo foi desolador e cruel para com estes pequenos e inocentes seres. Os apicultores daqui estão desolados, pois sabem que não colherão o mel que adoçará as nossas vidas por um longo período de tempo. A maioria das espécies fazem suas colmeias em troncos de árvores. Lembrando que a fidelidade às abelhas rainhas pode levar toda a população à morte durante as queimadas.
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. (Mt 5,3) Foi assim que o evangelista Mateus iniciou a fala de Jesus no “Sermão da Montanha”. Os pobres, os humildes, os simples, sendo os destinatários e protagonistas primeiros do Reino de Deus. Os “Anawin” que é uma palavra hebraica, muitas vezes encontrada na Bíblia. Significa “os pobres de Javé”, ou seja, os “pobres de Deus”. Sim porque os que buscam a justiça do Reino são os “pobres em espírito”. Sufocados no seu anseio pelos valores que a sociedade injusta rejeita, esses pobres estão profundamente convictos de que eles têm necessidade de Deus, pois só com Deus esses valores podem vigorar, surgindo assim uma nova sociedade, mais justa, humana e fraterna. Bem rezou o salmista: “O Senhor protege os simples; quando eu já estava sem forças, Ele me salvou”. (Sl 116,6)
Estes pobres são aqueles que reconhecem tanto o profeta João Batista como o próprio Jesus, como os legítimos enviados por Deus para salvar a humanidade. Diferentemente dos escribas, fariseus, mestres e doutores da Lei, sumos sacerdotes, que rejeitaram veementemente tanto o Precursor, quanto Jesus, como podemos ver nos versículos que antecedem o texto proposto pela liturgia para o dia de hoje, e que serve como chave de leitura para uma maior compreensão do texto: “Todo o povo, e até mesmo os cobradores de impostos deram ouvidos à pregação de João. Reconheceram a justiça de Deus, e receberam o batismo de João. Mas os fariseus e os doutores da Lei, rejeitando o batismo de João, tornaram inútil para si mesmos o projeto de Deus”. (Lc 7, 29-30) O povo e os cobradores de impostos acolheram a pregação de João Batista, acreditando que, com Jesus, iria surgir uma nova sociedade. As autoridades, convencidas de que não precisavam mudar de vida, foram postas fora do plano de Deus.
“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos”. (Mt 11,25) Esta foi uma das formas de oração de Jesus, dialogando diretamente com o Pai. Os sábios e inteligentes não são capazes de perceber a presença do Reino de Deus e sua justiça através de Jesus. Ao contrário, os desfavorecidos e os pobres é que conseguem penetrar o sentido mais profundo dessa atividade de Jesus e continuá-la. Já as autoridades religiosas se comportam de maneira infantil: acusam João Batista de louco, porque é severo demais; acusam Jesus de boa-vida, porque parece muito condescendente, sentando-se a mesa e comendo com pecadores. O povo e os cobradores de impostos se comportam de maneira sábia: acolhem João Batista e Jesus, reconhecendo neles a revelação plena de Deus com sua amorosidade, justiça e misericórdia. Busquemos a simplicidade, mas estejamos certos de que não é fácil, como nos diz Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.
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