Quarta feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum. Setembro caminhando para o fim. A primavera por aqui recebendo as primeiras águas do céu. Depois de muito barulho, a terra recebeu a dádiva vinda do firmamento. A quarta feira amanheceu feliz, afugentando a fumaça que pairava no ar, levando embora por instantes o forte calor. Setembro está findando, mas ainda em tempo de celebrarmos a memória de um dos servidores das causas de Jesus nos pobres: São Vicente de Paulo (1581-1660). Se fez pequeno, mas encheu-se da sabedoria divina: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. (Mt 11, 25)
Vicente de Paulo, sacerdote católico francês, um homem dos pobres. Cumpriu sua missão de sacerdote com tanto amor e zelo, que todos já o tinham como santo, sem mesmo passar pelo processo de canonização. Dedicava a sua vida aos doentes e as pessoas mais pobres, vendo nelas a pessoa de Jesus de Nazaré. Levou a sério uma das falas de Jesus: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. (Mt 25,40) Vicente, seguindo a Jesus, que por sua vez está identificado com os pobres e oprimidos, marginalizados por uma sociedade baseada na riqueza e no poder. Em pleno século XVII, um homem rompendo as estruturas classistas da sociedade, sendo pobre com os pobres e para os pobres.
São Vicente de Paulo abre-nos o leque da discussão acerca da caridade. Palavra esta nem sempre bem compreendida. A caridade não significa dar ao outro aquilo que achamos que é o melhor para ele, mas aquilo de que ele realmente necessita para viver com dignidade. Caridade sendo feita baseada no princípio da equidade, ou seja, reconhecer a especificidade e o direito de cada um, estabelecendo o equilíbrio entre o fazer e a necessidade real da pessoa que está sendo a destinatária da nossa ação. Como São Vicente mesmo já dizia: “A perfeição não consiste na multiplicidade das coisas feitas, mas no fato de serem bem feitas”.
Mais do que uma ação paternalista, conformista e alienada, a caridade deve ter também uma dimensão social e política. Neste sentido, a Encíclica do Papa Francisco “Fratelli tutti” (“Todos Irmãos”), nos colocam em sintonia entre a fraternidade e a amizade social. Nesta dimensão, diz o Papa: “A caridade alegra-se ao ver o outro crescer; e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado… A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão.”
Numa quarta feira em que estamos celebrando a memória de São Vicente de Paulo, a liturgia não poderia ter-nos propiciado melhor texto evangélico para a nossa reflexão. Jesus enviando os seus discípulos como apóstolos à sua frente, empoderando-os com autoridade e autonomia, para que dessem continuidade à sua missão. Enviados com a simples recomendação: “Não leveis nada para o caminho: nem cajado nem sacola nem pão nem dinheiro nem mesmo duas túnicas”. (Lc 9,3) Austeridade na missão de evangelizar. Austeridade evangélica na simplicidade de anunciar a Palavra. Viver a palavra de forma encarnada para depois anunciá-la.
Em tempos de “Sinodalidade: comunhão, participação e missão”, este é o envio que Jesus faz a todos aqueles e aquelas que fazem a adesão ao seu projeto. Mais importante que o anúncio da palavra, é vivê-la intensamente que conta. A austeridade, a simplicidade e o amor, estão na essência do ser cristão. Mais importante que a vida, são as causas pelas quais Jesus deu à sua vida. Mas esta, não parece ser a conduta de algumas das lideranças religiosas, inseridas na instituição Igreja: vestimentas suntuosas, carreirismo eclesiástico, apego ao poder e a ser servido. Tais lideranças estão mais próximas daquilo que já denunciava o Livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”. (“vanitas vanitatuim Omnia Vanitas” – em latim)
“Convertei-vos e crede no Evangelho, pois, o Reino de Deus está próximo!” (Mc 1,15) Jesus não pede que os seus seguidores sejam aquilo que Ele não foi. Toda a sua atividade messiânica foi pautada pela simplicidade e austeridade, na convivência direta com os mais necessitados de cuidados. Sua ação evangelizadora não se concentrava entre as paredes do templo, mas nas periferias geográficas, sociais e existenciais. O discipulado é enviado para dar continuidade à missão de Jesus, que consiste numa mudança radical de vida (metanoia – conversão), libertando as pessoas de todas as formas opressivas e doentias (demônios), reestruturando a vida humana (curas). Para tanto, os discípulos e discípulas devem estar livres, abertos e conscientes de que a missão vai provocar choque com os que não querem transformações. “Os que desejam realmente seguir as máximas de Cristo, devem ter em grande conta a simplicidade”. (São Vicente de Paulo)
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