Sexta feira da Oitava de Páscoa. Sextando pela última vez neste mês de abril. Neste 115º dia do ano, estamos na antevéspera do “Domingo da Misericórdia”. O Segundo Domingo da Páscoa foi instituído como “Domingo da Divina Misericórdia”. Cada passo dado nesta semana configura para nós o tempo pascal da Ressurreição de Jesus. Ele segue reencontrando os seus, revelando a si mesmo a cada encontro, confirmando assim aquilo que dissera, quando ainda estava com eles naquele tempo histórico da Palestina. Aos poucos Jesus vai se revelando no mistério da Ressurreição, reanimando a fé e provocando a continuidade de sua missão, agora com a participação decisiva de seus seguidores e seguidoras: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. (Jo 15,15) Sintonia de amor total.
Cada dia que passa, vai também sendo um dia a menos com a presença física do Papa Francisco no meio de nós. Centenas de milhares de pessoas já se despediram dele em seu velório. Uma comoção nunca vista espalhada pelo mundo afora. O homem era muito querido, apesar das discordâncias de alguns que viam no papado de Francisco um “comunismo” da esquerda. Nestas horas, não há como não nos lembrarmos de uma de suas frases ditas: “o oposto da fé não é incredulidade, mas a idolatria”. Pessoas cegas demais em sua fé, que não conseguem conhecer e aproximar da vida e missão de Jesus e de saber que Ele esteve o tempo todo ao lado dos indesejados.
Idolatria fundamentalista moralista, que marca sua presença muito forte entre nós, principalmente nestes tempos dos assim chamados “influenciadores digitais”. Pessoas que inflamam os seus egos, arrebanhando outras pessoas, que idolatram seus influenciadores, esquecendo-se que o centro da nossa fé é a vida e missão de Jesus no meio dos descartados. Bem fazia a Madre Teresa de Calcutá, que tinha como propósito, uma das frases que norteava a sua ação e missão no meio dos pobres: “As mãos que ajudam são mais sagradas do que os lábios que rezam”. Difícil entender que alguém professe sua fé apenas quando estão nos espaços “sagrados” dos templos em atitude de adoração, mas não fazem a ponte com a sua prática cotidiana de fé. Serve de alerta aquilo que foi dito pelo Padre Júlio Lancellotti: “Não adianta acordar às 4 horas da manhã para rezar o terço, e às 6 horas esculachar o morador de rua […]” A fé se completa com a ação como gesto concreto de Ressurreição.
Os discípulos de Jesus, como pescadores que eram, partem para o seu trabalho rotineiro. É ali, naquele contexto, que Jesus aparece desta vez, no mar de Tiberíades. Também chamado de lago de Genesaré, que é o maior lago de água doce de Israel. Foi nas margens deste mar que Jesus de Nazaré exerceu grande parte do seu ministério e realizou muitos sinais como, caminhar sobre as águas e acalmar uma tempestade. Também o famoso “Sermão da Montanha” teve aí lugar, mais concretamente, numa colina voltada para as suas águas. Jesus vai ao encontro dos seus como ficou destacado no Evangelho de João, que estamos refletindo nesta sexta feira. Os discípulos percebem a presença de alguém especial, mas ainda não reconhecem o Cristo Ressuscitado ali no meio deles.
“Moços, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: Não. Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”. (Jo 21,5) Eles escutam e acatam a ordem dada por Jesus, depois de uma noite inteira de uma pesca mal sucedida. Escutar é fundamental para a nossa prática de fé. Escutar nossa voz interior, em sintonia com a voz de Deus, que nos chama para a ação. Jesus fala e eles o escutam. Jesus está a nos falar e, muitas vezes, não o escutamos, preferindo ouvir as vozes mais agradáveis, que envaidecem o nosso ego e a nossa personalidade do querer estar no centro das evidências, no lugar de Jesus. Quem muito fala, pouco escuta. Os que insistem em falar perdem a capacidade de saber ouvir. Quem pouco escuta, deixa de vivenciar uma fé engajada e comprometida com as causas do Reino. Os discípulos ouvem seu Mestre e são recompensados por uma pesca abundante.
João tem a preocupação de descrever uma cena em que Jesus Ressuscitado faz a refeição com seus discípulos, já não num ambiente fechado: “Vinde comer. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor”. (Jo 21,12) Quando eles ouvem e seguem a palavra de Jesus, o fruto surge com fartura. Aliás, diante deles está o Pão e o Peixe, símbolos da Eucaristia para as comunidades primitivas. Lembrando que o símbolo do peixe era o código para o reconhecimento dos cristãos na clandestinidade, diante da perseguição do Império Romano. Portanto, estamos diante de um momento eucarístico. Jesus se manifestando como Ressuscitado, onde a missão termina sempre na Eucaristia, como mistério onde se realiza a comunhão com Jesus: “Fazei isto em memória de mim”, ou seja, “anamnese” (Aná = trazer de novo e Mnesis = memória), que quer dizer, memorial, comemoração, recordação.
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